Claus-Günter Frank

Lisboa

Claus-Günter Frank

Lisboa

À descoberta da metrópole portuguesa

Com a colaboração de

Brigitte Barcklow

Tradução de

Nuno Garrido de Figueiredo

Índice

Nota do tradutor

Introdução

1. Lisboa e as suas colinas

 Barreiro – Mar da Palha – Praça do Comércio – Baixa – Praça da Figueira – Avenida Almirante Reis – Campo dos Mártires da Pátria – Rossio

2. Lisboa e a sua Alfama

 Largo Martim Moniz – Mouraria – Sé – Castelo de São Jorge – Alfama

3. Lisboa e os seus homens de letras

 Cais do Sodré – Rua Garrett – Rua António Maria Cardoso – Rua Ivens – Elevador de Santa Justa – Largo do Carmo – Bairro Alto – Praça dos Restauradores – Rossio

4. Lisboa e o seu «eléctrico»

 Largo Martim Moniz – Graça – São Vicente de Fora – Estrela – Cemitério dos Prazeres

5. Lisboa e o seu Pombal

 Praça Marquês de Pombal – Rato – Rua da Escola Politécnica – Alto de Santa Catarina – Museu de Arte Antiga

6. Lisboa e os seus heróis dos Descobrimentos: Belém

 Casa dos Bicos – Palácio da Ajuda – Museu dos Coches – Mosteiro dos Jerónimos – Torre de Belém

7. Lisboa e os seus azulejos

 Benfica – Quinta do Marquês de Fronteira – Metropolitano – Museu Gulbenkian – Praça de touros do Campo Pequeno – Parque das Nações – Museu do Azulejo – Cais do Sodré – Estoril

8. Lisboa e a sua vila de veraneio: Sintra

 Rossio – Queluz – Sintra – Palácio da Pena – Castelo dos Mouros – Palácio da Vila – Palácio de Seteais – Monserrate

Lista de autores citados e com transcrições

Notas

Nota do tradutor

O livro agora editado em português já foi publicado na Alemanha em 2005. Fiquei tão encantado com ele que decidi traduzi-lo para a língua de Camões, possibilitando aos meus compatriotas dele desfrutarem, pois não se trata de um vulgar roteiro turístico.

Foi por isso considerado enriquecedor desta edição inserir algumas notas, quer com algumas alterações observadas ao verificar os oito itinerários de que se compõe este roteiro, tanto ou mais histórico-literário que turístico, quer complementando o texto com mais algumas informações interessantes para o leitor português, lisboeta ou visitante desta cidade, que não teriam tanto interesse para um leitor alemão.

O facto de o tradutor ser amigo do autor, desde os anos em que ambos trabalharam na Escola Alemã de Lisboa, facilitou uma intensa troca de correspondência entre os dois, a propósito dessas notas e, até, de algumas sugestões de alteração do original alemão, resultantes de uma mais perfeita actualização ou de uma perspectiva mais portuguesa de algumas coisas.

As notas do autor caracterizam-se por um número no texto, ao qual corresponde uma nota, no fim do livro, na secção Notas, por ordem numérica (1, 2, 3, …). As do tradutor vêm como notas de rodapé (A, B, C, …) logo no fim de cada página.

Pela enriquecedora experiência que este trabalho para mim constituiu, e pela confiança nas minhas sugestões, sempre testemunhada pelo autor, compete-me expressar-lhe aqui o meu profundo agradecimento.

Quando não foram encontradas edições portuguesas dos trechos citados, indicam-se nas Notas as obras em alemão a que Claus-Günter Frank recorreu, mantendo os títulos alemães. Estes porém, para que o leitor os possa compreender, encontram-se, entre parêntesis, traduzidos à letra para português.

Por decisão pessoal, o tradutor do texto, intencionalmente, não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico, o que foi aceite pelo autor.

Introdução

Conversa entre ventos

Tu nunca correste o Mundo? Nem o mais célebre apenas?

Hammerfest – Viena – Atenas?

«Não, conheço só este vale,

não passo de um vento local…

E tu, conheces de Kuntzen a discoteca?»

Não, pá! Oh, co ’ a breca!

Adeus! Tenho de ir, que o tempo voa!

Colónia – Paris – Lisboa.

Tal como para o vento que correu o Mundo, de Christian Morgenstern 1 ,também para nós Lisboa é o complemento adicional, em crescendo, de Colónia e Paris. Uma névoa de exotismo, os aromas de condimentos e especiarias continuam a envolver ainda hoje a Cidade Branca junto ao mar. Se fecharmos os olhos, vemos deslizando sobre os mares, de velas enfunadas, as caravelas enviadas pelo Infante D. Henrique, o Navegador, a dilatar as fronteiras do mundo conhecido. E depois o Fado – expressão das componentes trágicas, melancólicas: a derrocada, em poucos anos, do império mundial português e o devastador terremoto que, em poucos minutos, transformou Lisboa em ruínas e cinza e destruiu tesouros acumulados por gerações.

Mas, para além destes estereótipos, o mais frequente é Lisboa ser um mundo por desbravar. Que língua se fala lá? Castelhano, porque a cidade está situada na Península Ibérica e os correspondentes dos jornais alemães estão sediados em Madrid? Não! Colado à monolítica Espanha – que não é, mesmo nada, assim tão homogénea – Portugal, o pequeno país vizinho, gerou, a partir de raízes comuns, um idioma e uma cultura próprios. A literatura portuguesa está a despertar de novo, finalmente, as atenções da Alemanha. Há que nomear em primeiro lugar, naturalmente, os grandes escritores contemporâneos: José Saramago, o vencedor do Prémio Nobel, e o seu não menos importante inimigo de estimação, António Lobo Antunes. Fernando Pessoa, o autor de culto, está também a ocupar a devida posição nos países germanófonos e também já apareceram, finalmente, as obras do grande romancista José Maria Eça de Queiroz. Este quarteto guiar-nos-á pelas ruas de Lisboa. E ainda mais alguns outros.

Porém, a maioria dos nossos cicerones será constituída por autores de língua alemã, quer famosos, quer menos conhecidos. O lugar de honra é ocupado por Thomas Mann, mas também o seu irmão Heinrich e a filha Erika se pronunciaram sobre Lisboa. Para ela, tal como para muitos outros, essa cidade foi involuntário ponto de passagem, na sua fuga aos Nazis. Durante alguns meses – após a Revolução dos Cravos de 1974, ocorrida sem derramamento de sangue e que pôs fim à mais antiga ditadura da Europa Ocidental – o país fez acreditar na concretização de um socialismo utópico e atraiu como um íman, precisamente por isso, os homens de letras de idioma germânico. As observações destes acompanhar-nos-ão ao longo de oito deambulações por Lisboa e seus mais próximos arrabaldes.

Mesmo que o prezado leitor prefira o avião como meio de transporte, recomendo-lhe, como leitura de viagem, o romance de Pascal Mercier, «Comboio nocturno para Lisboa» (ed. Dom Quixote). O seu herói, Raimund Gregoris, professor de latim oriundo de Berna, é levado através de Lisboa inteira, por aqui e por ali, na sua busca do autor de um livro que o acaso lhe colocou nas mãos – uma leitura obrigatória.

Tal como de Roma, diz-se da cidade à beira do Tejo que tem sete colinas. E, tal como sucede com aquela, na realidade as colinas são muitas mais. Algumas destas colinas, no centro da metrópole, conhecê-las-emos no primeiro itinerário. Como suplemento há uma curta viagem de barco e muita História.

O segundo passeio leva-nos ao bairro mais antigo da cidade, a Alfama, dominada pelo Castelo de São Jorge. O fado constitui o fundo musical para esta viagem exploratória por vielas estreitinhas; bate ao vento, sob o céu azul e por cima das nossas cabeças, a roupa pendurada a secar.

Literatura e vida nocturna são os temas principais da terceira volta, a pé, desde a margem do Tejo até ao Rossio ou Praça D. Pedro IV, centralmente localizada, passando pela parte mais alta da cidade, o Bairro Alto.

Se já houve quem cantasse os «cable cars» de S. Francisco, também o famoso «amarelo da Carris», o carro eléctrico de Lisboa, que até há poucos anos apenas fora descrito, já encontrou em Carlos do Carmo quem o cantasse também. Será que, após o percurso neste monumento técnico, lhe irá interessar recordar o que sobre ele canta este conhecido fadista?

Na nossa quinta deambulação seguimos no encalço do Marquês de Pombal. No decurso da História a imagem pública do Marquês tem tido altos e baixos, mas não há dúvida de que, sem ele, a Lisboa de hoje teria outro aspecto. Terminamos o dia no Museu de Arte Antiga, classificado com 5 estrelas.

A seguir, uma fresca brisa fustiga-nos a ponta do nariz. Foi em Belém, à beira do Tejo, que fizeram as suas despedidas os navegadores portugueses que descobriram o caminho marítimo para a Índia e, de passagem, o Brasil. O Mosteiro dos Jerónimos, em Belém, pode agradar ao leitor ou não, mas é obrigatório vê-lo. E depois somos atraídos pela famosa Torre de Belém, com a sua base mergulhada já nas águas do rio.

Azulejos portugueses são uma bonita recordação para levar, mas sobre eles há muito mais a dizer do que a sua superficial consideração como meros produtos da indústria do turismo permite imaginar. Neste itinerário vamos visitar de metro – em si mesmo uma obra de arte global –, de autocarro e a pé os testemunhos mais significativos da arte da azulejaria. Se valorosamente nos acompanhou, convidamo-lo a ir ao Estoril, acabando o dia no Casino. Sair-lhe-á, como prémio, um passeio a pé no paredão, do Estoril a Cascais, ao entardecer.

Pode recobrar as suas forças depois, na excursão a Sintra. Partindo do Neuschwanstein português,A caminharemos pelas verdejantes e húmidas matas dos Montes da Lua, até ao antigo paço real, em Sintra.B

Se, ao chegar ao fim da sua estada em Lisboa, dela fizer um resumo igual ao que fez Gerhard C. Krischker2, escritor que pelos vistos gostava de resolver charadas do jornal «Die Zeit», então a sua viagem valeu a pena.

Lisboa

de início

não nos entendemos lá muito bem

tomei o teu idioma por polaco

os teus habitantes por poetas

o teu «tinto» por tinta de escrever

o teu tamboril por um tamborileiro

o teu fado por enfadonho

a tua alfama por um boato

o teu obrigado por um hino a uma brigada

no fim o meu adeus

não foi nenhum lapsus linguaeA

Tim Többe desenhou os mapas dos itinerários pela cidade em que nasceu. A Roswitha Gram-Moreira e ao seu marido, Fernando Azevedo Moreira, agradeço não só algumas indicações importantes, mas também a sua pródiga hospitalidade. Agradeço muito especialmente ao meu amigo Nuno Garrido de Figueiredo, que não só percorreu todos os itinerários quando primeiro traduziu e vários anos depois, para esta publicação, actualizou o texto, com muitos complementos e notas. Sem as inúmeras horas que ele, com grande entusiasmo e muita dedicação, dedicou à tradução para português, não existiria este guia de Lisboa.

Este livro é dedicado à minha falecida Mulher Ursula Frank. Foi ela quem teve a ideia do livro e me deu todo o apoio durante as longas horas em que eu, em pensamento, me «demorava» por Lisboa.

 

A Trata-se do Palácio da Pena (vide Cap. 8).

B Mais conhecido por Palácio da Vila.

A Neste poema a Lisboa, o autor mostra, com vários exemplos, como um cidadão alemão recém-chegado pode equivocar-se, por erradas analogias com palavras alemãs ou com outras palavras portuguesas que lhe soam parecidas: «lisboetas» e «poetas» vinho «tinto» e «Tinte» (palavra alemã para tinta de escrever); «tamboril» e «tamborileiro»; «fado» e «fad» (palavra alemã para «enfadonho»); «Alfama» e a boa ou má «fama» que pode resultar de um boato. Até «obrigado/obrigada» pode parecer-se com «Ó brigada! », que seria o início de um hino.

No final do poema, respeitou-se o «adeus» escrito em português por Krischker, que não usou a expressão alemã «Auf Wiedersehen». Se esta tivesse escrito, não teria sido traduzida por «adeus» – que denuncia uma longa separação, quiçá definitiva – mas sim por um menos corrente «até mais ver», tradução literal mas que exprimiria melhor o desejo de regresso que se adivinha neste poema, apesar de tantos desentendimentos iniciais. O mesmo desejo que tantas vezes foi observado, na hora da partida, em antigos professores da Escola Alemã de Lisboa, inicialmente contestatários e insatisfeitos com alguns problemas à sua chegada e adaptação a Portugal.