cover.jpg
portadilla.jpg

 

 

Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1986 Nora Roberts

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Só trabalho, n.º 44 - Avril 2014

Título original: Lessons Learned

Publicado originalmente por Silhouette® Books

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5254-9

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

 

 

Para Jill Gregory, aliás, para a Menina, uma das minhas companheiras de quarto.

Um

 

Era muito bonito. E rico. E tinha talento. Além disso, era sensual. Não podia esquecer que era incrivelmente sensual.

Coisa que não importava a Juliet. Era uma profissional e, para uma profissional, o trabalho era o mais importante. Naquele caso, em concreto, o aspeto físico e o carisma ajudavam muito, mas tratava-se apenas de negócios. Única e exclusivamente de negócios.

Sim, a nível pessoal, não importava. Afinal de contas, já conhecera muitos homens bonitos. E também alguns ricos, e assim sucessivamente, embora tivesse de admitir que nunca encontrara um que reunisse todas aquelas qualidades. Ou, pelo menos, não tivera a oportunidade de trabalhar com nenhum. Contudo, agora tinha.

O facto era que o físico, o encanto, a reputação e o talento de Carlo Franconi iam transformar o seu trabalho numa verdadeira delícia. Ou, pelo menos, era o que lhe tinham dito. Juliet, com a porta do escritório fechada, olhava com o sobrolho franzido para a fotografia reluzente, a preto e branco. Tinha a impressão de que aquele homem ia dar-lhe mais preocupações do que alegrias.

Carlo sorria, com arrogância. Moreno, tinha olhos amendoados e um olhar irónico e sedutor. Juliet questionava-se se a fotografia teria sido tirada por uma mulher. O cabelo forte, abundante e encantadoramente despenteado, frisava-se um pouco na nuca e à volta das orelhas. Não muito, mas o suficiente para desarmar o espetador. As feições muito marcadas, a boca alegremente curvada, o nariz reto e as sobrancelhas expressivas combinavam-se para formar um rosto destinado a sabotar o bom senso de qualquer mulher. Juliet não sabia se se tratava de um dom ou de um talento cultivado mas, em qualquer caso, teria de tirar proveito.

Um livro de culinária. Juliet tentou conter um suspiro, em vão. O livro de Carlo Franconi era, mesmo que não gostasse, o trabalho mais importante que recebera até à data. Negócios eram negócios.

Adorava o trabalho de relações públicas e, por enquanto, sentia-se bem na Trinity Press, a editora para a qual trabalhava depois de ter passado por meia dúzia de empregos e promoções desde o início da sua carreira. Aos vinte e oito anos, a ambição com que começara como rececionista, há quase dez anos, diminuíra muito pouco. Trabalhara, estudara e esforçara-se para conseguir ter o seu próprio gabinete e um emprego respeitável. Conseguira ambas as coisas, mas não estava disposta a relaxar.

Segundo os seus cálculos, dentro de dois anos daria o salto seguinte. Fundaria a sua própria agência de relações públicas. Os contactos e a experiência que conseguira ajudá-la-iam a concretizar as suas ambições, quando tivesse trinta anos de idade. Juliet contentava-se com isso.

Uma das primeiras coisas que aprendera no mundo das relações públicas fora que um cliente era um cliente, quer fosse um livro destinado a transformar-se num grande êxito ou um volume fino de poesia, que quase ninguém compraria. O desafio e o prazer do empenho consistiam em encontrar o canal promocional adequado.

Agora, estava a olhar para o livro de culinária e para um chef italiano muito sedutor. «Franconi tem talento com as mulheres e com os livros», pensou, com ironia. O primeiro era assunto de grande interesse para as páginas de sociedade e mexericos da imprensa internacional. Não era preciso ser um perito em culinária, para conhecer o nome de Franconi. O segundo era a razão pela qual a editora lhe concedia o privilégio de dispor de uma relações públicas durante a digressão.

Os seus dois primeiros livros de culinária tinham sido autênticos bestsellers. «E com toda a razão», admitiu Juliet. Era verdade que não sabia sequer estrelar um ovo, mas sabia apreciar a qualidade e o estilo. Franconi era capaz de fazer com que os linguini parecessem um prato que uma pessoa tinha de preparar, estando vestida de renda preta. Conseguia transformar um simples esparguete num acontecimento erótico.

Erotismo. Juliet recostou-se na cadeira e abanou os pés. Era o que ele tinha. E seria o que usariam. Antes de acabar a digressão, de vinte e um dias, já teria transformado Carlo Franconi no cozinheiro mais sensual do mundo. Qualquer mulher com sangue quente nas veias, fantasiaria em preparar um jantar íntimo para dois. Velas, massa e romantismo.

Enquanto isso, tinha de resolver algumas questões de organização. Planear uma agenda era um prazer e moldar-se a ela um desafio. Queria fazer ambas as coisas.

Juliet pegou no telefone e ligou à assistente, percebendo, com resignação, que partira outra unha.

– Terry, liga a Diane Maxwell, a coordenadora do programa Show de Simpson, em Los Angeles.

– Vais atrás dos peixes graúdos?

Juliet esboçou um sorriso rápido e pouco profissional.

– Sim.

Desligou o telefone e começou a tomar notas. «Não há razão para não começar pelo topo», pensou. Desse modo, se tivesse uma deceção, pelo menos, a tentativa teria valido a pena.

Enquanto esperava, olhou para o seu gabinete. Não era o gabinete de um «peixe graúdo», mas também não era mau. Pelo menos, tinha janela. Ainda tremia, quando pensava nos cubículos onde trabalhara. Agora, vinte andares mais abaixo, Nova Iorque bulia, vibrava e abria caminho para um novo dia. Juliet Trent aprendera a fazer o mesmo, depois de se mudar do bairro residencial, relativamente aprazível, de Harrisburg, na Pensilvânia.

Talvez tivesse crescido num bairro pequeno e agradável, onde só os forasteiros conduziam a mais de quarenta quilómetros por hora e onde todos mantinham a relva cuidadosamente cortada, do seu lado da cerca. Mas Juliet habituava-se facilmente. A verdade era que gostava do ritmo, da energia e do ambiente competitivo e desafiante que reinava em Nova Iorque. Nunca voltaria à paz dos bairros residenciais, onde se ouvia as abelhas a zumbir e as sebes estavam perfeitamente cortadas, onde todos se conheciam e sabiam tudo o que os outros faziam. Ela preferia o anonimato e o individualismo das multidões.

Talvez a mãe se tivesse transformado na esposa perfeita de classe média, mas ela não. Era uma mulher do século xxi, independente, autossuficiente e ambiciosa. Vivia num apartamento, na rua Setenta Oeste, que mobilara a pouco e pouco, meticulosamente e, o que era mais importante, ao seu gosto. Tinha paciência para avançar passo a passo e o resultado fora perfeito. Tinha uma carreira da qual podia sentir-se orgulhosa e um gabinete que mudara, gradualmente, para o adaptar ao seu gosto. Gostava que tudo tivesse a sua marca pessoal. Demorara quatro meses a escolher as plantas adequadas para o seu local de trabalho.

Tivera de se conformar com a carpete bege, mas o cartaz de Dali, de quase dois metros, que havia na parede oposta à janela, tornava a sala maior e dava-lhe um toque de elegância. Tinha o olhar fixo numa grande jarra oriental, muito berrante, que ficaria perfeita com um arranjo de penas de pavão. Se esperasse um pouco mais, talvez o preço passasse de exorbitante a ridículo. E então, poderia comprá-lo.

Juliet conseguia ser muito prática com todos, até mesmo com ela própria, mas não conseguia resistir aos saldos. Como resultado, a sua conta bancária estava muito menos cheia do que o armário do quarto. Contudo, não era frívola. E tê-la-ia escandalizado, se alguém usasse aquele termo para a descrever. O seu armário estava muito organizado, bem fornecido e, além disso, era muito conveniente. Vinte pares de sapatos talvez pudessem ser demasiados, mas Juliet pensava que passava vinte horas de pé, por dia, portanto, merecia aquele luxo. Conquistara-os à força de reuniões inumeráveis, esperas incontáveis em aeroportos e horas intermináveis ao telefone. Conquistara-os em digressões, em que o capricho do destino podia pô-la ao lado de pessoas brilhantes, divertidas, ineptas, aborrecidas ou indelicadas, mas não importava com quem tivesse de lidar, pois o resultado tinha de ser o mesmo. Meios de comunicação social.

Aprendera a lidar com a imprensa, desde o repórter do New York Times ao repórter de um semanário de vila. Sabia como lidar com o pessoal dos programas de entrevistas da televisão, desde os mestres reconhecidos, aos imitadores nervosos. Aprender fora uma aventura e, visto que se permitia a ter muito poucas aventuras na sua vida privada, o êxito profissional era ainda mais doce.

Quando ouviu o intercomunicador, mordeu a língua. Ia ter de pôr tudo aquilo que aprendera em jogo, para fazer com que convidassem Franconi para o programa de entrevistas mais visto dos Estados Unidos.

«Depois de o conseguir», pensou, enquanto carregava no botão, «será melhor que Franconi aproveite a oportunidade». Ou teria de matar aquele homem tão sensual, com a sua própria arma.

 

 

– Ah, amore mio. Squisito – a voz de Carlo era um murmúrio baixo, que fazia subir a pressão sanguínea. Aquela voz sedutora e sussurrante não era ensaiada, sempre fora assim. Carlo sempre pensara que quem não tirava partido dos dons concedidos pelo destino era um tonto. – Bellisimo – murmurou e os seus olhos escuros adquiriram uma expressão sonhadora.

Estava calor, quase demasiado, mas ele preferia o calor. O frio entorpecia o sangue. O sol que entrava pela janela adquirira uma textura dourada, com leves tons avermelhados, que delatava o fim do dia e insinuava os prazeres da noite. A divisão estava impregnada de cheiros doces. Carlo inspirou com deleite. As pessoas perdiam grande parte dos prazeres da vida, se não usassem ou não soubessem valorizar todos os sentidos. E Carlo não gostava de perder nada.

Observou a paixão daquele instante com olhos de perito. Não importava se demorava minutos ou horas a conseguir o que queria, desde que conseguisse. Para Carlo, o processo, a espera e os gestos eram tão satisfatórios como o resultado. «Como uma dança», pensava. «Como uma canção». Uma ária de As Bodas de Fígaro tocava como música de fundo, enquanto punha em prática a sua arte de sedução.

Bellisimo – sussurrou e inclinou-se um pouco mais sobre o seu objeto de adoração. O molho de amêijoas fervia com erotismo, enquanto o mexia. Lentamente, saboreando o instante, Carlo levou a colher aos lábios e semicerrou os olhos. Um som de prazer saiu da sua garganta.

Squisito.

Afastou-se do molho, para dedicar os mesmos cuidados ao zabaione. Achava que não havia uma única mulher no mundo que conseguisse resistir ao sabor daquele creme denso e saboroso, exaltado com um pouco de vinho. Como de costume, estava à espera de uma mulher.

A cozinha era, tal como o quarto, uma divisão feita para o prazer. Não era por acaso que era um dos cozinheiros mais respeitados e admirados em todo o mundo, um dos amantes mais sedutores. E ele atribuía-o ao destino. A sua cozinha estava organizada, disposta com tanta meticulosidade para a sedução dos molhos e das especiarias, como o seu quarto para a sedução das mulheres. Sim, Carlo Franconi pensava que tinha de desfrutar da vida, intensamente. Até à última gota.

Quando o som da campainha ecoou nas divisões de altos tetos da sua casa, sussurrou alguma coisa para a massa, antes de tirar o avental. Enquanto ia abrir a porta, alisou as mangas da camisa de seda, mas não teve de se arranjar à frente de nenhum dos espelhos antigos que pendiam das paredes. Era vaidoso, mas seguro de si.

Abriu a porta a uma mulher alta, de aspeto régio, com uma tez cor de mel e uns olhos escuros e brilhantes. O coração de Carlo acelerou, como acontecia sempre que a via.

Amore mio... – dando-lhe a mão, encostou a boca contra a dela, enquanto os seus olhos sorriam. – Bella. Molto bella.

Ela ficou parada à luz do anoitecer, morena e encantadora, com um sorriso que era apenas para ele. Até um tonto teria percebido que recebera dezenas de mulheres daquela forma. Ela não era tola, mas amava-o.

– És um descarado, Carlo – e estendeu a mão para lhe tocar no cabelo. Era preto, abundante e difícil de resistir. – É assim que recebes a tua mãe?

– É assim – e beijou-lhe a mão outra vez, – que recebo uma mulher bonita – depois, abraçou-a e beijou-a nas faces. – E é assim que recebo a minha mãe. É uma sorte poder fazer ambas as coisas.

Gina Franconi riu-se, enquanto abraçava o filho.

– Para ti, todas as mulheres são bonitas.

– Mas só tu és a minha mãe – rodeando-lhe a cintura com o braço, conduziu-a para dentro de casa.

Gina percebeu que a casa estava, como sempre, impecável. Embora fosse um pouco extravagante para o seu gosto. Com frequência, interrogava-se como a pobre empregada conseguia limpar o pó dos arcos profusamente lavrados e das centenas de painéis das janelas. Como passara quinze anos a limpar a casa dos outros e quarenta a limpar a dela, reparava sempre nessas coisas.

Observou uma das novas aquisições do filho, um mocho de marfim com mais de meio metro de altura, com um pequeno roedor preso numa das garras. «Uma boa esposa», pensou, «conduziria os gostos dele por roteiros menos excêntricos».

– Um aperitivo, mamã? – Carlo aproximou-se de uma vitrina alta, de vidro fumado, e tirou uma garrafa preta e fina. – Tens de provar isto – declarou, enquanto escolhia dois copos e servia o vinho. – Foi-me oferecido por uma amiga.

Gina pousou a mala vermelha de pele e aceitou o copo. O primeiro gole foi quente, forte e suave, como o beijo de um amante. Gina ergueu uma sobrancelha, enquanto bebia o segundo gole.

– Excelente!

– Sim, é verdade. Anna tem um gosto excelente.

«Anna», pensou ela, com mais ironia do que exasperação. Aprendera há anos que não servia de nada exasperar-se com um homem, sobretudo, quando o amava.

– Todos os teus amigos são mulheres, Carlo?

– Não – e levantou o copo, agitando-o. – Mas esta é. Enviou-o como presente de casamento.

– Como?

– Do casamento dela – esclareceu Carlo, exibindo um sorriso. – Queria casar e, como não podia ajudá-la nisso, despedimo-nos como amigos – e ergueu a garrafa, como prova disso.

– Foi analisada, antes de começares a beber? – perguntou Gina, secamente.

Ele brindou com a mãe.

– Um homem inteligente transforma todas as suas ex-amantes em amigas, mamã.

– Tu sempre foste muito inteligente – encolhendo ligeiramente os ombros, Gina bebeu novamente e sentou-se. – Ouvi dizer que andas a sair com uma atriz francesa.

– Como sempre, tens um ouvido excelente.

Gina observou a cor do licor do copo, como se se interessasse.

– É linda, claro.

– Claro.

– Penso que não vais dar-me netos.

Carlo riu-se e sentou-se ao lado dela.

– Tens seis netos e outro a caminho, mamã. Não sejas assim...

– Mas nenhum do meu filho. O meu único rapaz – recordou-lhe, cravando um dedo no ombro dele. – Embora ainda não tenha perdido a esperança.

– Talvez, se encontrar uma mulher como tu...

Lançou-lhe um olhar arrogante.

– Impossível, caro!

«A quem o dizes...», pensou Carlo, enquanto conduzia a conversa para as quatro irmãs e para as respetivas famílias. Quando olhava para aquela mulher bela e elegante, era difícil pensar nela como a mãe que o criara, quase sem ajuda. Gina trabalhara com esforço e, embora às vezes fosse complicado, nunca se queixara. As roupas tinham sido cuidadosamente remendadas e o chão meticulosamente lavado, enquanto o pai de Carlo passava meses intermináveis no mar.

Quando se concentrava, coisa que raramente fazia, Carlo conseguia lembrar-se da imagem de um homem enxuto e moreno, com bigode preto e sorriso fácil. Aquela lembrança não despertava ressentimento nele, nem sequer tristeza. O pai era marinheiro antes de casar com a mãe e continuara a sê-lo. Os seus sentimentos pelo pai eram, de certa forma, ambivalentes, enquanto os que albergava pela mãe eram fortes e sólidos.

Gina apoiara as ambições dos cinco filhos e, quando Carlo conseguira uma bolsa de estudo para a Sorbona, em Paris, obtendo assim a oportunidade de se tornar chef, deixara-o ir. No fim, substituíra os poucos ganhos que Carlo conseguia entre os cursos, por parte do dinheiro que, certamente, recebera quando o marido que tanto amara desaparecera no mar.

Há seis anos, Carlo podia retribuir ao seu modo. A loja de roupas que lhe comprara, no aniversário, era um antigo sonho de ambos. Para ele, era o modo de ver a mãe feliz, finalmente. Para Gina, era a oportunidade de começar de novo.

Carlo crescera numa família numerosa, desordeira e carinhosa. Gostava de olhar para trás e recordar. Um homem que cresce numa família de mulheres, aprende a entendê-las, a apreciá-las e a admirá-las. Carlo compreendia os sonhos das mulheres, as suas vaidades e as suas inseguranças. Nunca escolhia uma mulher por quem não sentisse afeto, para além de desejo. Sabia que, se só houvesse desejo, não haveria amizade no fim, apenas ressentimento. A aventura confortável que mantinha com a atriz francesa estava a chegar ao fim. Ela ia começar a rodagem de um filme dentro de algumas semanas e ele iria para a América. «E assim», pensava Carlo, com uma certa tristeza, «acabará tudo».

– Vais para os Estados Unidos em breve, Carlo?

– Hum... Sim – questionou-se se a mãe lhe teria lido o pensamento. Sabia que as mulheres eram capazes de o fazer. – Dentro de duas semanas.

– Podes fazer-me um favor?

– Claro.

– Vê o que as mulheres de negócios usam. Estou a pensar em acrescentar algumas coisas à loja. As americanas são tão inteligentes e práticas...

– Nem tanto, espero – e mexeu o licor. – A minha relações públicas é uma tal menina Trent – acabando a bebida, saboreou o seu calor. – Prometo que vou estudar minuciosamente todo o seu vestuário.

Ela respondeu ao sorriso rápido, com um olhar atento.

– És tão bom comigo, Carlo...

– Claro que sim, mamã. E agora, vou alimentar-te como uma rainha.

 

 

Carlo não sabia qual era o aspeto de Juliet Trent, mas deixou-o nas mãos do destino. Pelas cartas que recebera dela, sabia que a menina Trent era uma daquelas americanas a que a mãe se referira. Inteligente e prática. Qualidades excelentes para uma relações públicas.

A questão física era outra história. Claro que, como a mãe dizia, sabia sempre encontrar a beleza numa mulher. Talvez, na sua vida privada, preferisse uma mulher com um exterior belo, mas sabia como encontrar a beleza interior. Era isso que dotava a vida de interesse, de prazer estético.

Mesmo assim, ao sair do avião, no terminal do aeroporto de Los Angeles, tinha a mão apoiada no cotovelo de uma ruiva espampanante.

Juliet sabia quem ele era e reconheceu-o assim que o viu com uma mulher escultural, provida de saltos agulha. Apesar de ter uma pasta de couro numa mão e uma mala de viagem pendurada ao ombro, escoltou a ruiva através da porta, como se estivessem a entrar num salão de baile. Ou num quarto.

Juliet observou rapidamente as calças de fato, bem cortadas, o casaco largo e a camisa de colarinho aberto. Um viajante. Tinha um anel enorme de ouro, com um diamante, que devia parecer ostentoso e vulgar e que, no entanto, tinha um ar tão informal e alegre como tudo o resto nele. Sentia-se enrijecida e peganhenta.

Chegara a Los Angeles na tarde anterior, com a intenção de se ocupar pessoalmente dos detalhes mais insignificantes. Carlo Franconi não teria de fazer nada, exceto, mostrar-se encantador, responder a perguntas e autografar o seu livro de culinária. Enquanto o via a beijar a mão da ruiva, Juliet pensou que autografaria imensos. Afinal de contas, não eram as mulheres que costumavam comprar livros de culinária? Contendo cuidadosamente um sorriso sarcástico, Juliet levantou-se. A ruiva estava a dar uma última olhadela sonhadora por cima do ombro, enquanto se afastava.

– Senhor Franconi?

Carlo desviou o olhar da mulher cuja companhia fora tão grata durante a longa viagem. Ao olhar para Juliet, pela primeira vez, sentiu um formigueiro de interesse e uma pontada subtil de desejo, como costumava acontecer quando conhecia uma mulher. Conseguia controlar aquela pontada de desejo, sufocando-a ou dar-lhe rédea solta, conforme quisesse. Daquela vez, preferiu saboreá-la.

O rosto de Juliet não só era encantador, como interessante. A tez dela era muito pálida, o que talvez pudesse dar-lhe um certo ar de fragilidade, se não fosse pelas maçãs do rosto proeminentes, que davam à cara a forma de um diamante atraente. Os olhos dela eram grandes, com pestanas densas, subtilmente acentuadas por uma sombra cinzenta que fazia com que o verde dos olhos parecesse ainda mais fresco. Usava um batom cor de pêssego. Os lábios carnudos e bonitos não precisavam de artifício algum. Carlo deduziu imediatamente que ela sabia isso.

O cabelo, num tom entre castanho e loiro, era suave, natural e subtil. Usava-o suficientemente comprido para o prender num coque, quando queria, e suficientemente curto para conseguir penteá-lo com desenvoltura ou formalidade, conforme exigisse a ocasião ou o seu capricho. Naquele momento, usava-o solto, com um penteado informal, mas não despenteado.

– Sou Juliet Trent – apresentou-se, quando lhe pareceu que já olhara o suficiente para ela. – Bem-vindo à Califórnia – enquanto Carlo beijava a mão que lhe estendera, Juliet apercebeu-se de que devia ter esperado que a beijasse, em vez de a apertar. Ficou tensa e, mesmo que fosse apenas por um instante, percebeu que Carlo não o ignorara.

– Uma mulher bonita faz com que me sinta bem-vindo em qualquer lugar.

A voz dele era incrível, suave, e parecia fluir docemente. Juliet pensou que só gostava, porque ficaria muito bem ao ser gravada. Pensando na ruiva, esboçou um sorriso fácil e pouco amistoso.

– Então, deve ter tido um voo agradável.

A sua língua materna era o italiano, mas Carlo entendia os matizes de qualquer língua. Sorriu.

– Muito agradável.

– E cansativa – acrescentou ela, lembrando-se da sua posição. – Já devem ter tirado as malas do avião – e olhou novamente para a mala dele. – Posso levar isso?

Ele arqueou uma sobrancelha, ao pensar na ideia de um homem deixar que uma mulher carregasse a sua bagagem. Para ele, a igualdade nunca devia ultrapassar o limite das boas maneiras.

– Não, isto é algo que tenho sempre comigo.

Indicando-lhe o caminho, Juliet começou a andar ao lado dele.

– Temos meia hora de caminho até Beverly Wilshire mas, depois de se instalar, terá toda a tarde para descansar. À noite, gostaria de rever consigo a agenda para amanhã.

Gostava da forma de andar dela. Embora não fosse alta, avançava com passos largos e pausados, que faziam com que a saia vermelha, vincada dos lados, se ajustasse às ancas.

– Ao jantar?

Lançou-lhe um olhar rápido, de soslaio.

– Se quiser...

«Estarei ao seu dispor durante as próximas três semanas», pensou Juliet. Aparentemente sem se aperceber, desviou-se de um homem gordo que carregava um saco avultado e uma mala. «Sim, gosto do seu modo de andar», pensou Carlo, novamente. Era uma mulher que sabia cuidar de si própria, sem fazer dramas.

– Às sete? Amanhã de manhã, tem uma entrevista na televisão que começa às sete e meia, portanto, será melhor deitarmo-nos cedo.

– Então, vai pôr-me já a trabalhar.

– É para isso que estou aqui, senhor Franconi – indicou Juliet, jovialmente, enquanto se aproximava da bagagem que avançava lentamente. – Tem os documentos?

«Uma mulher organizada», pensou ele, pondo a mão no bolso do seu casaco bege. Entregou-lhe os documentos, em silêncio, e pegou numa mala de viagem e num saco de fato.

«Gucci», observou ela. Indicava que tinha bom gosto, para além de dinheiro. Juliet deu os documentos a um empregado e esperou enquanto a bagagem de Carlo era colocada num carrinho.

– Penso que gostará daquilo que preparámos para si, senhor Franconi – atravessou as portas automáticas e apontou para a limusina. – Sei que, nas suas digressões anteriores pelos Estados Unidos, trabalhou sempre com Jim Collins. Ele manda-lhe lembranças.

– Jim gosta do seu emprego como executivo?

– Parece que sim.

Apesar de Carlo esperar que ela entrasse primeiro na limusina, Juliet recuou. Carlo baixou a cabeça e sentou-se.

– E a menina? Gosta do seu trabalho?

Sentou-se ao lado dele e lançou-lhe um olhar direto e intenso. Ignorava o quanto ele admirava aquele olhar.

– Gosto.

Carlo esticou as pernas. A mãe dissera-lhe uma vez, que as suas pernas se tinham recusado a parar de crescer, muito depois do que era necessário. Ele teria preferido conduzir, sobretudo, depois do voo interminável desde Roma mas, visto que não podia fazê-lo, o conforto da limusina também não era mau. Esticando o braço, ligou o rádio e ouviu-se uma melodia de Mozart, aprazível e vibrante. Se estivesse a conduzir, teria escolhido música rock.

– Leu o meu livro, menina Trent?

– Sim, claro. Não posso promovê-lo, se não conhecer o produto – e recostou-se no banco. Era mais fácil fazer o seu trabalho, se pudesse dizer a verdade nua e crua. – Fiquei impressionada com a atenção que dedica aos detalhes e com a clareza das indicações. Parece ser um livro muito útil, mais do que uma simples ferramenta de cozinha.

– Hum... – e reparou que as meias dela eram num cor-de-rosa muito pálido e que tinham uma linha de pontinhos, de lado. A mãe ia gostar de saber que a mulher de negócios americana e prática, também tinha um toque de frivolidade. Ele, certamente, gostava que Juliet Trent o tivesse. – Tentou fazer alguma receita?

– Não, não sei cozinhar.

– Não sabe...? – o seu interesse indolente ficou alerta. – Nada?

Ela viu-se forçada a sorrir. Carlo parecia estar verdadeiramente atónito.

Ao ver que a boca perfeita dela se curvava, tentou controlar uma nova pontada de desejo.

– Quando se é um desastre em alguma coisa, senhor Franconi, é melhor deixar que os outros o façam.

– Podia ensiná-la – e essa ideia atraía-o. Nunca oferecia a sua ajuda sem pensar bem.

– A cozinhar? – ela riu-se, relaxando o suficiente para abanar o pé. – Não me parece.

– Sou um excelente professor – insistiu, esboçando um sorriso.

Ela voltou a lançar-lhe um olhar sereno e hostil.

– Não duvido. Mas eu sou uma péssima aluna.

– Que idade tem? – ao ver que os olhos dela se semicerravam, riu-se de uma forma encantadora. – É uma pergunta indelicada, quando uma mulher alcançou uma certa idade. Mas ainda não a alcançou.

– Vinte e oito – esclareceu, com tanta calma que o sorriso de Carlo se tornou mais amplo.

– Parece mais jovem, mas os seus olhos são de alguém mais velho. Seria um prazer dar-lhe algumas lições, menina Trent.

Juliet acreditou. Também sabia captar os sinais.

– É uma pena que a nossa agenda não o permita.

Ele encolheu os ombros e olhou pela janela, mas as estradas de Los Angeles não lhe interessavam.

– Pôs Filadélfia na agenda, conforme lhe pedi?

– Passaremos um dia inteiro lá, antes de viajarmos para Boston. Depois, acabaremos em Nova Iorque.

– Ainda bem. Tenho lá uma amiga. Há quase um ano que não a vejo – Juliet tinha a certeza de que ele tinha amigas por todo o lado. – Já esteve em Los Angeles? – perguntou ele.

– Sim, várias vezes, em negócios.

– Eu nunca vim por prazer. O que acha da cidade?

Ela olhou pela janela, sem interesse.

– Prefiro Nova Iorque.

– Porquê?

– Tem mais garra e menos imitadores.

Gostou da resposta e da forma como a expressou. Olhou para ela com mais atenção.

– Alguma vez esteve em Roma?

– Não – Carlo julgou perceber um vislumbre de desejo no tom de voz dela. – Nunca estive na Europa.

– Quando for, passe por Roma. Foi construída com autêntica garra.

A mente de Juliet divagou um pouco enquanto pensava nisso, mas o sorriso permaneceu impassível.

– Imagino as fontes, o mármore e as igrejas.

– Encontrará todas essas coisas... E muito mais – «ela tem um rosto tão delicioso, que podia esculpir-se em mármore», pensou Carlo. E uma voz suave e serena, apropriada para uma igreja. – Roma foi criada, caiu e renasceu das cinzas com unhas e dentes. Uma mulher inteligente entende essas coisas. Uma mulher romântica gosta de fontes.

Ela olhou novamente pela janela, quando a limusina parou à frente do hotel.

– Receio que não seja muito romântica.

– Uma mulher que se chama Julieta não tem escolha.

– Foi ideia da minha mãe – indicou ela. – Não minha.

– Não procura o seu Romeu?

Juliet pegou na pasta.

– Não, senhor Franconi, não procuro.

Carlo saiu à frente dela e ofereceu-lhe a mão. Quando Juliet saiu para a calçada, ele não recuou para lhe dar espaço. Ela ergueu o olhar e observou-o, carente de receio. Carlo voltou a sentir aquela pontada de desejo. Não a pontada impessoal que sentia por uma mulher qualquer, mas uma excitação que lhe atravessava as entranhas e que só uma mulher despertava. Assim sendo, teria de saborear aquela boca. Afinal de contas, sentia-se impelido a avaliar quase tudo pelo sabor, mas também sabia refrear-se. Algumas criações requeriam muito tempo e preparativos complicados. Tal como Juliet, ele perseguia a perfeição.

– Algumas mulheres – murmurou, – não precisam de procurar, só têm de discriminar e escolher.

– Algumas mulheres – indicou, com uma suavidade idêntica, – preferem não escolher – e virou-lhe as costas deliberadamente, para pagar ao motorista. – Já o registei no hotel, senhor Franconi – declarou, por cima do ombro, enquanto entregava a chave ao empregado que os esperava. – O meu quarto fica à frente do seu, do outro lado do corredor – sem olhar para ele, Juliet seguiu o empregado para dentro do hotel, para os elevadores. – Se lhe parecer bem, reservarei uma mesa aqui, no hotel, para jantarmos às sete – dando uma olhadela rápida ao relógio, calculou a diferença horária e decidiu fazer algumas chamadas para Nova Iorque e Dallas, antes de os escritórios fecharem. – Se precisar de alguma coisa, só tem de pedir e acrescentá-lo à conta – saiu do elevador, abriu a mala e tirou a chave do quarto enquanto andava. – Tenho a certeza de que o seu quarto será adequado.

Carlo observou os movimentos bruscos e comedidos dela.

– Tenho a certeza de que sim.

– Às sete, então – e introduziu a chave na fechadura, enquanto o empregado abria a primeira porta da suíte, do outro lado do corredor. Enquanto rodava a chave, Juliet pensou nas chamadas que tinha de fazer, assim que tirasse o casaco e os sapatos.

– Juliet...

Parou e olhou para Carlo por cima do ombro. Ele ficou parado por um instante, em silêncio.

– Não mude de perfume – murmurou ele. – Sexo sem flores e feminilidade desprovida de vulnerabilidade. Fica-lhe bem.

Enquanto o observava por cima do ombro, Carlo desapareceu na sua suíte. O empregado começou a referir, amavelmente, a lista de pormenores da suíte. Algo que Carlo disse, fez com que se risse.

Juliet rodou a chave com mais força do que a necessária, empurrou a porta e voltou a fechá-la, empurrando-a com o corpo. Durante um minuto, ficou apoiada nela, tentando recuperar o domínio sobre si própria.

A sua experiência profissional impedira-a de começar a gaguejar e a balbuciar, fazendo uma figura ridícula. Ajudara-a a manter o seu nervosismo no limite do controlável. No entanto, por baixo daquela couraça, havia uma mulher. Fora difícil dominar-se. Tinha a certeza de que não havia uma só mulher à face da Terra, que não se deixasse impressionar por Carlo Franconi. Mas não a consolava o facto de saber que era, simplesmente, mais uma, numa lista longa e variada.

«Ele nunca saberá, mas o meu coração acelerou assim que me tocou na mão», pensou. Ainda estava acelerado. «Estúpida», recriminou-se, atirando a mala para cima de uma cadeira. Ainda sentia as pernas fracas. Deixou escapar um suspiro longo e profundo.

Sim, Carlo Franconi era muito bonito. E rico. E tinha talento. Além disso, era incrivelmente sensual. Mas isso, ela já sabia. O problema é que não sabia como lidar com ele.