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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1985 Nora Roberts

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Um amor para sempre, n.º 53 - Janeiro 2015

Título original: Summer Deserts

Publicado originalmente por Silhouette® Books

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-6438-2

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Sumário

 

 

Página de título

Créditos

Sumário

Dedicatoria

Um

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

Nove

Dez

Onze

Doze

Volta

 

 

Para Marianne Shock, pela sua alegre

e sagaz ajuda de última hora.

Um

 

Chamava-se Summer. O seu nome evocava flores de cores fortes, tempestades repentinas e noites longas e agitadas, imagens de prados ensolarados e sestas à sombra. Era um nome que lhe assentava bem.

Estava de pé, com as mãos suspensas no ar, o corpo tenso e o olhar alerta, e na sala não se ouvia um único ruído. Ninguém, absolutamente ninguém, desviava os olhos dela. Talvez se mexesse lentamente e nenhuma pessoa queria correr o risco de perder um gesto, um gesto seu. Todos os olhares estavam fixos e concentrados na sua esbelta e solitária figura. Uma melodia romântica de Chopin sulcava o ar. A luz oblíqua refulgia no seu cabelo apanhado, de uma cor castanho-escura quente, com leves tons dourados. Duas esmeraldas cintilavam nas suas orelhas.

A sua tez estava um pouco rosada, acentuando as suas já proeminentes maçãs do rosto e a estrutura óssea elegante que só as boas famílias podem produzir. A emoção e a concentração intensa ressaltavam os pontinhos ambarinos que salpicavam os seus olhos castanhos. A mesma emoção concentrada que a fazia franzir os lábios suaves.

Estava toda de branco, sem acessórios, mas atraía os olhares de forma tão irresistível como uma borboleta radiante em pleno voo. Não falava e, no entanto, toda a gente na sala se inclinava para diante como se quisesse ouvir o mais ligeiro som.

A sala estava quente. Os aromas eram exóticos. A atmosfera, tensa.

Summer prestava tão pouca atenção aos que a rodeavam, que parecia estar sozinha. Havia só uma meta, um fim. A perfeição. Ela nunca se contentava com menos.

Com um cuidado infinito, colocou a angélica sobre o savarim para completar a sua criação. As horas que tinha passado a preparar a enorme e complicada sobremesa tinham caído no esquecimento, tal como o calor, as pernas cansadas e a dor de braços. O toque final, a apresentação de uma criação de Summer Lyndon, era da maior importância. Sim, o seu sabor podia ser perfeito, o seu aroma, perfeito, podia inclusive derreter-se na boca na perfeição. Mas, se o seu aspeto não fosse perfeito, nada disso importava.

Com a minuciosidade de um artista a completar uma obra de arte, Summer pegou no pincel para aplicar sobre as frutas e as amêndoas uma leve e delicada camada de calda de açúcar de damasco. Ninguém disse nada. Sem pedir ajuda, Summer começou a rechear o savarim com o creme denso, cuja receita guardava zelosamente.

Com as mãos firmes e a cabeça erguida, Summer recuou para observar a sua criação pela última vez com olhar crítico. Aquela era a última prova, pois o seu olhar era mais experiente do que qualquer outro quando se tratava do seu próprio trabalho. Cruzou os braços. O seu rosto não expressava emoção alguma. Na cozinha enorme, o ruído de um alfinete a cair ao chão teria ecoado como um disparo.

Os lábios de Summer curvaram-se lentamente, os seus olhos iluminaram-se. Levantou um braço e fez um gesto dramático.

– Levem-no! – ordenou.

Enquanto dois assistentes levavam o manjar reluzente para fora da cozinha, os aplausos explodiram. Summer aceitou os elogios como devia. Sabia que havia alturas para a modéstia e sabia também que aquela não era uma delas. O seu savarim era, no mínimo, magnífico. O duque italiano queria magnificência para a festa de noivado da filha e pagara para a conseguir. Summer tinha-se limitado a cumprir o seu dever.

Mademoiselle – Foulfount, o francês cuja especialidade eram os mariscos, agarrou Summer pelos ombros. Os seus olhos estavam humedecidos pela admiração. – Incroyable! – beijou-a com entusiasmo em ambas as faces, enquanto os seus dedos grossos e hábeis apertavam a pele de Summer como se fosse uma fogaça acabada de sair do forno. Summer esboçou o primeiro sorriso em horas.

Merci – alguém tinha aberto uma garrafa de vinho para celebrar o acontecimento. Summer pegou em dois copos e deu um ao chefe francês. – Até à próxima vez que trabalhemos juntos, mon ami.

Bebeu o vinho de um gole, tirou o chapéu de chefe e saiu da cozinha. O savarim estava a ser servido e admirado na enorme sala de jantar de chão de mármore iluminada por candelabros. Antes de se ir embora, Summer pensou que ainda bem que não precisava de ser ela a limpar toda aquela confusão.

Duas horas depois, tirara os sapatos e tinha os olhos fechados. Um livro de mistério estava aberto sobre o seu regaço, enquanto o seu avião atravessava o Atlântico. Summer regressava a casa.

Tinha passado quase três dias em Milão com o propósito de criar um único prato. Não era a primeira vez que o fazia. Tinha preparado charlotte malakoff em Madrid, flambeara crêpes fourrées em Atenas e moldara îles flottantes em Istambul. Em troca das despesas cobertas e de honorários espantosos, Summer Lyndon criava sobremesas que persistiam na memória muito depois de a última garfada, a última gota ou a última migalha serem consumidas.

Summer sorriu enquanto bocejava. Considerava-se uma especialista, tal como um cirurgião hábil. Com efeito, estudara na universidade, estagiara e trabalhara como aprendiz durante tanto tempo como muitos membros respeitados da profissão médica. Cinco anos depois de passar nas provas estritas para se converter num chef Cordon Bleu em Paris, a cidade da arte culinária, Summer tinha fama de ser tão temperamental como qualquer artista, de ter o cérebro de um computador quando se tratava de memorizar receitas e de possuir as mãos de um anjo.

A dormitar no seu lugar da primeira classe, Summer tentava conter um desejo repentino de comer uma fatia de piza com pepperoni. Sabia que o voo passaria mais depressa se lesse ou dormisse. Decidiu fazer ambas as coisas, fazendo primeiro uma pequena sesta. Apreciava as suas horas de sono quase tanto como a sua receita de musse de chocolate.

Quando regressasse a Filadélfia, a sua agenda estaria repleta. Havia o bolo para o banquete de beneficência do governador, a reunião anual da Sociedade de Gourmets, a apresentação que tinha aceitado fazer para a televisão pública… e aquela entrevista, recordou, ensonada.

O que lhe dissera pelo telefone aquela mulher com voz de pássaro? Drake… Não, Blake Cocharan. Blake Cocharan III, da cadeia de hotéis Cocharan. Eram hotéis excelentes, pensou Summer, sem muito interesse. Já se hospedara em alguns em diversos cantos do mundo. O senhor Cocharan III desejava fazer-lhe uma proposta de negócios.

Summer presumia que quisesse que criasse alguma sobremesa especial e exclusiva para a cadeia de hotéis, algo que pudesse vincular-se ao nome dos Cocharan. Não lhe desagradava a ideia… Desde que as circunstâncias fossem adequadas. E pelos honorários apropriados. Naturalmente, teria de se informar minuciosamente a respeito dos negócios dos Cocharan antes de comprometer o seu nome e o seu talento. Se algum dos hotéis fosse de qualidade inferior…

Bocejando, Summer resolveu pensar naquilo mais adiante, quando se tivesse reunido com Blake Cocharan III. Gordo, calvo, provavelmente dispéptico. Sapatos italianos, relógio suíço, camisas francesas, carro alemão… E, sem dúvida, considerar-se-ia um americano de pura cepa. A imagem que tinha criado ficou suspensa na sua mente por um instante. Farta dela, Summer bocejou novamente. Em seguida, lançou um suspiro quando a visão de uma piza invadiu mais uma vez os seus pensamentos. Reclinou mais um pouco o banco e tentou dormir.

 

 

Sentado no banco traseiro da limusina metalizada, Blake Cocharan III analisava meticulosamente o relatório sobre o novo Cocharan House que estava a ser construído em Saint Croix. Blake conseguia reunir dados dispersos e ordená-los em perfeita ordem. O caos era simplesmente uma forma de ordem que aguardava que a lógica o deslindasse. Blake era uma pessoa muito lógica. O ponto A conduzia invariavelmente ao ponto B e este, ao C. Por muito confuso que fosse o labirinto, conseguia encontrar o caminho com paciência e lógica.

Devido ao seu talento para tais coisas, com trinta e cinco anos Blake possuía quase por inteiro o controlo do império Cocharan. Tinha herdado a sua riqueza e, por conseguinte, raramente pensava nela. A sua posição, no entanto, conquistara-a e estava orgulhoso disso. A qualidade era uma tradição na cadeia Cocharan. Só o melhor era aceitável para um Cocharan House, da roupa de cama ao betão dos alicerces. O seu relatório sobre Summer Lyndon dizia que era a melhor.

Deixando de lado o relatório sobre Saint Croix, Blake tirou outra pasta da maleta que tinha aos seus pés. Um único anel, um selo de ouro gravado, reluzia suavemente na sua mão. Summer Lyndon, pensou, folheando o relatório. Vinte e oito anos, licenciada pela Sorbonne, chef Cordon Bleu. Pai, Rothschild Lyndon, respeitado membro do parlamento britânico. Mãe, Monique Dubois Lyndon, antiga estrela do cinema francês. Pais amigavelmente divorciados há vinte e três anos. Summer Lyndon tinha passado os seus anos de aprendizagem entre Londres e Paris, antes de a sua mãe se casar com um magnata do ferro sediado em Filadélfia. Posteriormente, tinha regressado a Paris para completar a sua educação e, atualmente, vivia entre Paris e Filadélfia. Enquanto isso, a sua mãe tinha-se casado pela terceira vez com um magnata do papel e o seu pai separara-se da segunda esposa, uma advogada que se tornara famosa.

Todas as investigações de Blake tinham tido o mesmo resultado. Summer Lyndon era a melhor confeiteira de ambos os lados do Atlântico. Era, além disso, uma cozinheira magnífica com olfato instintivo para as coisas de qualidade, talento criativo e capacidade de improvisar em momentos de crise. Por outro lado, tinha fama de ser autoritária, temperamental e brutalmente sincera. Essas características, no entanto, não a tinham privado da amizade de chefes de estado, aristocratas ou diversas celebridades.

Insistia em que Chopin tocasse na cozinha enquanto trabalhava ou recusava-se a cozinhar se a iluminação não fosse do seu gosto, mas a sua musse bastava para que qualquer homem de caráter forte suplicasse por cumprir os seus mais simples desejos.

Blake não era homem que suplicasse, mas queria Summer Lyndon para o Cocharan House. Não duvidava de que conseguiria persuadi-la a aceitar o que tinha pensado.

Uma mulher formidável, imaginava com admiração. Ele não tinha paciência para pusilânimes, sobretudo para os que trabalhassem para ele. Poucas mulheres tinham alcançado a posição e a fama de que Summer Lyndon desfrutava. As mulheres cozinhavam por obrigação, mas os chefes de cozinha eram homens por tradição.

Imaginava-a larga de cintura de tanto provar as sobremesas que confecionava. Mãos fortes, pensou vagamente. Certamente, teria a pele um pouco macilenta por passar tantas horas nas cozinhas. Uma mulher nada dada a tolices, estava certo disso, e com as ideias muito claras a respeito do que é comestível e porquê. Organizada, lógica e educada. Talvez um pouco campónia, por se preocupar mais com a comida do que com a moda. Blake pensava que se entenderiam muito bem. Olhando para o seu relógio, verificou com satisfação que chegava mesmo a tempo da reunião.

A limusina parou majestosamente junto da calçada.

– Não demorarei mais de uma hora – disse Blake ao motorista enquanto saía.

– Sim, senhor – o motorista olhou para o relógio. Quando o senhor Cocharan dizia «uma hora», podia contar-se com que assim fosse.

Blake levantou o olhar até ao quarto andar, enquanto se aproximava do edifício antigo e bem conservado. Viu que as janelas estavam abertas. Por elas entrava uma brisa primaveril quente e saía uma melodia que Blake não conseguia identificar por cima do ruído do trânsito. Ao entrar no edifício, descobriu que o único elevador estava avariado. Subiu pelas escadas.

Depois de bater à porta, abriu-lha uma mulher magra com um rosto maravilhoso, vestida com uma t-shirt e umas calças de ganga justas pretas. «A empregada que vai sair no seu dia de folga?», perguntou-se Blake vagamente. Não parecia suficientemente forte para esfregar o chão. E, se se dispunha a sair, ia fazê-lo sem os sapatos.

Depois de a olhar breve e objetivamente, o olhar de Blake viu-se irresistivelmente atraído para o rosto da jovem. Era um rosto de feições clássicas, despido e sensual. Só a boca podia disparar o sangue de um homem. Blake ignorou o que lhe pareceu uma resposta sexual automática.

– Blake Cocharan deseja ver a menina Lyndon.

Summer arqueou o sobrolho esquerdo: um sinal de surpresa.

Em seguida, os seus lábios curvaram-se ligeiramente: um sinal de prazer.

Gordo não era, observou.

Era fibroso e atlético: paddle, ténis, natação. Saltava à vista que sentia mais inclinação para o desporto do que para prolongar os almoços de negócios. Calvo também não era. O cabelo era preto, abundante e lustroso. Estava bem penteado, com ondas naturais que aumentavam o atrativo do rosto despreocupado e sensual. Maçãs do rosto marcadas, queixo firme. Summer gostou das maçãs do rosto, que sugeriam caráter, e do queixo, cuja leve covinha evidenciava o encanto do dono. As sobrancelhas pretas eram quase retas sobre os olhos azul-claros. A boca era um pouco tensa, mas bonita. O nariz era muito reto, daqueles que sempre lhe tinham parecido feitos para olhar com desdém. Talvez não se tivesse equivocado a respeito da roupa, dos sapatos italianos e do resto, mas, admitiu Summer, não acertara a respeito do homem em si.

Só demorou três ou quatro segundos a formar uma opinião sobre ele e a sua boca curvou-se ainda mais. Blake não conseguia desviar os olhos dela. Era uma boca que qualquer homem quereria saborear.

– Por favor, entre, senhor Cocharan – Summer recuou, abrindo mais um pouco a porta. – Foi muito amável ao vir aqui. Por favor, sente-se. Receio que estivesse a cozinhar – sorriu e desapareceu.

Blake abriu a boca e voltou a fechá-la. Não estava habituado a que os serviçais o tratassem daquele modo. Mas tinha tempo de sobra. Podia mostrar-se tolerante. Enquanto deixava a sua maleta no chão, inspecionou a sala. Havia candeeiros de missangas, um sofá abaulado de veludo azul, uma mesa de cerejeira ricamente lavrada. Dois tapetes Aubusson, de tons azuis e cinzentos suaves e descoloridos, estavam estendidos no chão. Um vaso Ming. Pétalas secas no que, sem dúvida, era uma taça de Dresden.

A sala carecia de qualquer ordem, era uma mixórdia de períodos e estilos europeus que não deveriam encaixar e, no entanto, era imediatamente cativante. Blake viu do outro lado da sala uma mesa coberta de papéis escritos a computador e à mão. O ruído da rua entrava pela janela. A aparelhagem tocava Chopin.

Enquanto permanecia ali parado, a observar tudo, convenceu-se de repente de que não havia mais ninguém no apartamento, salvo ele e a mulher que lhe tinha aberto a porta. Seria Summer Lyndon? Fascinado pela ideia e pelo aroma que saía da cozinha, Blake atravessou a sala.

Sobre uma bancada havia seis moldes de massa em forma de cornucópia, levemente cobertos por um líquido dourado. Um a um, Summer ia-os enchendo até transbordar com o que parecia ser um creme branco denso. Ao olhar para a sua cara, Blake viu a expressão concentrada, intensa e séria que teria associado a um neurocirurgião. Poderia ter-lhe achado graça. No entanto, sem saber porquê, enquanto a melodia de Chopin saía pelas colunas na cozinha e aquelas mãos delicadas e de dedos finos introduziam o creme, sentia-se fascinado.

Ela mergulhou um garfo numa tigela e deixou cair sobre o creme alguns pingos do que Blake assumiu que fosse caramelo quente. O caramelo deslizou suavemente pelos lados e solidificou. Blake duvidava que fosse humanamente possível não ansiar provar aquele manjar. Novamente, um por um, ela pegou nos bolos e colocou-os numa travessa coberta por um papel branco trabalhado. Depois de colocar o último, levantou o olhar para Blake.

– Deseja um café? – sorriu e a ruga que havia entre os seus sobrolhos desapareceu. A intensidade que parecia ter ensombrecido as suas pupilas suavizou-se.

Blake olhou para a travessa e perguntou-se como era possível que a cintura de Summer pudesse abranger-se com as duas mãos.

– Sim, obrigado.

– Está quente – disse-lhe ela, enquanto pegava na travessa. – Sirva-se. Tenho de levar isto aqui ao lado – passou por ele e, ao chegar à porta da cozinha, deu meia-volta. – Ah, há bolachas nesse frasco, se quiser. Volto já.

Foi-se embora, levando os bolos. Encolhendo os ombros, Blake virou-se para a cozinha, que estava um caos. Summer Lyndon podia ser uma grande cozinheira, mas saltava à vista que não era muito organizada. Mesmo assim, a julgar pelo aroma e o aspeto daqueles bolos…

Blake começou a abrir os armários à procura de uma chávena e, um instante depois, cedeu à tentação. Com o seu fato de Saville Row, passou o dedo pelo rebordo da tigela que tinha contido o creme. Levou-o à boca. Suspirando, fechou os olhos. Intenso, denso, muito francês.

Ele já comera nos restaurantes mais seletos, em algumas das casas mais ricas, em dúzias de países de todo o mundo. Com toda a franqueza, não podia dizer que já tivesse comido algo melhor do que o que acabava de provar na cozinha daquela mulher. Summer Lyndon tinha escolhido bem ao decidir especializar-se em sobremesas e confeitaria, concluiu Blake, lamentando por um instante que ela tivesse levado as cornucópias. Quando retomou a busca da chávena, viu o frasco de biscoitos, que tinha a forma de panda.

Em circunstâncias normais, não teria sentido interesse algum. Não era especialmente guloso. No entanto, conservava na boca o sabor do creme. Que tipo de bolachas faria uma mulher capaz de criar os mais refinados manjares da alta cozinha? Com uma chávena de porcelana inglesa numa mão, Blake tirou a tampa da cabeça do panda. Pousando-a, tirou uma bolacha e olhou para ela, maravilhado.

Nenhum americano poderia confundir aquela bolacha em particular. «Um clássico?», pensou. «Uma tradição?» Uma bolacha Oreo. Blake continuou a olhar para a bolacha de chocolate em forma de sandes, com a sua dose dupla de creme no centro. Virou-a na mão. A marca estava claramente estampada em ambos os lados. Como poderia esperar semelhante coisa de uma mulher que cozinhava para a realeza?

Blake desatou a rir-se enquanto deixava novamente a bolacha no frasco. Ao longo da sua carreira, lidara com inúmeros excêntricos. Dirigir uma cadeia de hotéis não consistia unicamente em verificar as entradas e saídas de clientes. Havia designers, artistas, arquitetos, decoradores, chefes de cozinha, músicos, representantes sindicais… Blake considerava-se um bom conhecedor da natureza humana. Não demoraria muito tempo a averiguar quais eram os pontos fracos de Summer Lyndon.

Ela voltou a entrar na cozinha, enquanto Blake acabava de servir o café.

– Lamento tê-lo feito esperar, senhor Cocharan. Sei que foi muito descortês da minha parte – sorriu, como se não tivesse dúvida alguma de que lhe tinha perdoado, e serviu-se de um café. – Tinha de acabar aqueles bolos para a minha vizinha. Esta tarde, vai dar uma pequena festa de noivado a que vão assistir os seus futuros sogros – o seu sorriso tornou-se mais amplo e, bebendo um gole de café, tocou na cabeça do panda. – Queria uma bolacha?

– Não. Mas, força, coma você.

Summer pegou numa e deu-lhe uma dentada.

– Sabe? – disse, pensativa. – Estas são excelentes entre as da sua categoria – disse, com metade da bolacha na mão. – Sentamo-nos para discutir a sua proposta?

Ia direta ao assunto, pensou Blake com agrado. Talvez, pelo menos, não se tivesse enganado ao pensar que não era dada a tolices. Assentindo com a cabeça, Blake seguiu-a. Ele tinha sucesso na sua profissão, não porque pertencesse à terceira geração dos Cocharan, mas porque possuía uma mente rápida e analítica. Os problemas tinham de ser resolvidos sistematicamente. Naquele momento, devia decidir como abordar uma mulher como Summer Lyndon.

Tinha um rosto que encaixava perfeitamente à sombra de uma árvore do Bois de Boulogne. Muito francês, muito elegante. A sua voz possuía o sotaque claro e preciso que evidenciava a sua educação e as suas origens: um retalho de França, mas com a disciplina própria da Grã-Bretanha. Usava o cabelo apanhado, devido ao calor e à humidade, pensou Blake, embora tivesse as janelas abertas, ignorando o ar condicionado disponível. Os seus brincos eram esmeraldas, redondas e perfeitas. Uma manga da t-shirt tinha um rasgão.

Sentando-se no sofá, ela dobrou as pernas debaixo do rabo. Usava as unhas dos pés pintadas de um cor-de-rosa intenso, mas as das mãos eram curtas e sem verniz. Blake notava o aroma delicioso que emanava: um toque do caramelo dos bolos, sob o qual se adivinhava um perfume inconfundivelmente francês e sensual.

Como se abordava uma mulher assim? Devia usar encanto, elogios ou números? Ela tinha fama de ser perfecionista e, às vezes, caprichosa. Recusara-se a cozinhar para um político proeminente porque ele não quisera pagar o transporte de avião dos utensílios de cozinha de Summer. Tinha cobrado uma pequena fortuna a uma celebridade de Hollywood para criar um bolo de noiva extravagante de vinte e sete andares. E acabava de preparar e entregar pessoalmente uma travessa de bolos à sua vizinha para o chá. Blake preferia averiguar qual era o segredo da sua personalidade antes de lhe fazer uma oferta. Sabia as vantagens de um rodeio. No entanto, também era possível que estivesse a perder tempo.

– Conheço a sua mãe – começou por dizer despreocupadamente, enquanto continuava a avaliar a mulher que tinha ao seu lado.

– A sério? – Blake advertiu ironia e afeto na sua voz. – Não deveria surpreender-me – disse ela, dando outra dentada à bolacha. – A minha mãe hospedava-se sempre num Cocharan House quando viajávamos. Acho que jantei uma vez com o seu avô quando tinha seis ou sete anos – a ironia não se dissipou enquanto bebia um gole do seu café. – O mundo é muito pequeno.

Um fato excelente, pensou Summer, recostando-se no sofá. Tão bem cortado e conservador que teria recebido a aprovação do seu pai. A figura a que se moldava era atlética e fibrosa ao ponto de merecer a da sua mãe. Talvez fosse a combinação das duas coisas o que atraía o seu interesse.

«Meu Deus, sim, é atraente», pensou, enquanto lhe esquadrinhava novamente a cara. Nem demasiado brando, nem demasiado rude, o poder assentava-lhe bem. Isso era algo que reconhecia imediatamente em si mesma e nos outros. Respeitava quem se esforçava e abria o seu próprio caminho, tal como certamente Blake fizera. Respeitava-se a si mesma por idêntica razão. Atraente, pensou novamente… Mas tinha a sensação de que um homem como Blake tinha de o ser, independentemente da sua aparência física.

A sua mãe ter-lhe-ia chamado séduisant e com razão. Summer tê-lo-ia considerado perigoso. Uma combinação difícil de resistir. Mexeu-se, inquieta, talvez para pôr mais distância entre eles. Afinal, negócios eram negócios.

– Então, deve estar familiarizada com os parâmetros de qualidade dos nossos hotéis – disse Blake. De repente, desejava que o aroma de Summer não fosse tão atraente, nem que a sua boca fosse tão tentadora. Não queria misturar os negócios com o prazer, por muito agradável que pudesse ser.

– Naturalmente – Summer pousou o seu café, pois bebê-lo só parecia aumentar o estranho formigueiro que sentia no estômago. – Eu também me hospedo sempre neles.

– Disseram-me que os seus parâmetros de qualidade são igualmente elevados.

Summer sorriu com uma certa arrogância.

– Sou a melhor no meu ofício porque não tenho intenção de mudar nesse aspeto.

O primeiro segredo, decidiu Blake com satisfação. Vaidade profissional.

– Foi o que me disseram, menina Lyndon. E a mim só me interessa o melhor do melhor.

– Então – disse Summer, apoiando um cotovelo nas costas do sofá e encostando a cabeça à palma da mão, – porque lhe interesso exatamente, senhor Cocharan? – sabia que a pergunta estava carregada de intenção, mas não conseguira resistir. Quando uma pessoa se arriscava constantemente e fazia experiências na sua vida profissional, o hábito contagiava-se com frequência a outros âmbitos da sua vida.

Seis respostas diferentes atravessaram a mente de Blake, nenhuma delas relacionada com o propósito que o levara até ali. Pousou o seu café.

– Os restaurantes dos hotéis Cocharan são conhecidos pela sua qualidade e pelo seu serviço. No entanto, ultimamente o do nosso complexo de Filadélfia parece sofrer uma falta de ambos. Francamente, menina Lyndon, na minha opinião, a comida tornou-se muito vulgar… Muito entediante. Pretendo fazer certas alterações, tanto a nível do espaço físico como do pessoal.

– Uma decisão muito sensata. Os restaurantes, tal como as pessoas, tornam-se com frequência demasiado complacentes.

– Quero o melhor chefe de cozinha disponível – dirigiu-lhe um olhar direto. – Segundo os meus relatórios, é você.

Summer arqueou um sobrolho, pensativa.

– Isso é muito lisonjeador, mas eu trabalho de forma independente, senhor Cocharan. E estou especializada.

– Sim, com efeito, mas tem experiência e conhecimentos em todas as áreas da alta cozinha. Quanto ao seu modo de trabalhar, seria livre de continuar a trabalhar por sua conta em grande medida, pelo menos depois dos primeiros meses. Teria de criar a sua própria equipa e de elaborar a ementa. Eu não gosto de contratar um perito para depois interferir no seu trabalho.

Ela voltou a franzir o sobrolho, concentrada, mas não incomodada. A oferta era tentadora. Talvez fosse pelo cansaço que lhe causara a viagem a Itália, mas começava a fartar-se das exigências constantes que lhe impunham as suas viagens a qualquer país para criar um único prato. Aquele homem parecia tê-la encontrado no momento oportuno para despertar a sua vontade de se concentrar num único lugar, numa única cozinha, durante um longo período de tempo.

Se tivesse sido sincero em relação à liberdade de ação que lhe oferecia, seria interessante refazer a cozinha e a ementa de um hotel antigo, afamado e respeitado. Custar-lhe-ia possivelmente seis meses de esforço intenso e, em seguida… Era aquele «em seguida» o que a fazia hesitar novamente. Se dedicasse tanto tempo e esforço a um trabalho a tempo inteiro, manteria o seu talento para a extravagância? Isso era algo que também devia ter em conta.

Sempre se tinha recusado rotundamente a comprometer-se com um único estabelecimento. O medo do compromisso atravessava todas as facetas da sua vida. Se se vinculasse a algo, a alguém, expor-se-ia a todo o tipo de complicações.

Além disso, raciocinou Summer, se quisesse associar-se a um único restaurante, poderia abrir um próprio. Não o fizera ainda porque isso a prenderia a um único lugar, a vincularia em excesso a um só projeto. Preferia viajar, confecionar um prato soberbo de cada vez e, em seguida, ir-se embora. Outro país, outro prato. Esse era o seu estilo. Porquê alterá-lo agora?

– É uma oferta muito lisonjeadora, senhor Cocharan…

– E que favoreceria ambos – interrompeu-a ele, notando que se dispunha a rejeitá-la. Com deliberada despreocupação, mencionou um salário anual de seis dígitos que deixou Summer momentaneamente sem fala, o que não era fácil.

– E generosa – disse ela, quando recuperou a voz.

– Não se consegue o melhor a menos que se esteja disposto a pagar por isso. Gostaria que pensasse nisso, menina Lyndon – mexeu na sua maleta e tirou alguns papéis. – Isto é o rascunho do contrato. Talvez queira que o seu advogado lhe dê uma olhadela. Naturalmente, os detalhes podem negociar-se.

Ela não queria olhar para o maldito contrato porque tinha a sensação, quase tangível, de que estava a ser encurralada… com muita suavidade.

– Senhor Cocharan, agradeço o seu interesse, mas…

– Quando tiver pensado, eu gostaria que voltássemos a falar disto, talvez jantando. Digamos que na sexta-feira?

Summer semicerrou os olhos. Aquele homem era um rolo compressor, pensou. Um rolo compressor muito atraente e elegante. No entanto, por muito refinada que fosse a maquinaria, uma pessoa podia ver-se esmagada se estivesse no seu caminho.

– Lamento, na sexta-feira à noite trabalho… no jantar de beneficência do governador.

– Ah, sim… – sorriu, apesar de sentir um aperto no estômago. De repente, imaginava-se a fazer amor com ela no chão húmido de um bosque sombrio. Isso bastou para que considerasse a possibilidade de aceitar a recusa dela. E, ao mesmo tempo, aumentou a sua determinação. – Posso ir buscá-la lá. Podemos jantar mais tarde.

– Senhor Cocharan – disse Summer com frieza, – vai ter de aprender a aceitar um «não» como resposta.

«O tanas!», pensou ele asperamente, apesar de lhe oferecer um sorriso encantador.

– Peço-lhe desculpa, menina Lyndon, se parece que estou a pressioná-la. Sabe, você era a minha primeira opção e costumo deixar-me levar pelo meu instinto. No entanto… – levantou-se, contrariado. O nó de tensão e raiva que Summer sentia no estômago começou a dissolver-se – se já tomou uma decisão… – pegou no contrato e começou a guardá-lo na maleta – talvez possa dar-me a sua opinião sobre Louis LaPointe.

– LaPointe? – perguntou Summer, endireitando-se muito devagar no sofá e levantando-se depois com o corpo rígido. – Está a perguntar-me por LaPointe? – quando se zangava, notava-se-lhe mais na fala a sua origem francesa.

– Agradeceria qualquer informação que pudesse dar-me – acrescentou Blake cordialmente, sabendo que pusera o dedo na ferida. – Dado que são sócios e…

Abanando a cabeça, Summer pronunciou um insulto na língua da sua mãe. Os pontinhos dourados dos seus olhos reluziram. Sherlock Holmes tinha o professor Moriarty. O Super-homem, Lex Luthor. Summer Lyndon, Louis LaPointe.

– Porco asqueroso… – resmungou ela, voltando ao inglês. – Tem o cérebro do tamanho de um amendoim e as mãos de um canalizador. Quer saber sobre LaPointe? – tirou um cigarro da caixa que havia sobre a mesa e acendeu-o, como fazia apenas quando estava extremamente agitada. – É um campónio. O que mais há a saber?

– Segundo as minhas informações, é um dos cinco melhores cozinheiros de Paris – insistiu Blake. – Pelo que se diz, o seu canard en croûte é insuperável.

– Sim, duro como a sola de um sapato – replicou ela, cuspindo as palavras, e Blake tentou controlar os músculos da cara para não se rir. Vaidade profissional, pensou novamente. Summer tinha uma boa dose. Então, enquanto ela respirava fundo, Blake teve de controlar o resto dos músculos para conter uma vaga feroz de desejo. Sensualidade… Talvez tivesse demasiada. – Porque me pergunta por LaPointe?

– Na semana que vem, vou a Paris reunir-me com ele. Dado que rejeitou a minha oferta…

– Vai oferecer-lha… – apontou para o contrato que Blake ainda tinha na mão – a ele?

– Reconheço que é a minha segunda opção, mas há algumas pessoas na direção que consideram que Louis LaPointe é mais qualificado para o posto.

– Ah, sim? – semicerrou os olhos. Tirou-lhe o contrato da mão e deixou-o cair junto do seu café frio. – Talvez os membros da sua direção sejam uns ignorantes.

– Talvez – conseguiu dizer ele – estejam enganados.

– Claro que sim – Summer deu uma passa no cigarro e expeliu rapidamente o fumo. Detestava o sabor. – Pode ir buscar-me às nove na sexta-feira, à cozinha do governador, senhor Cocharan. Continuaremos a falar deste assunto.

– Com muito prazer, menina Lyndon – inclinou a cabeça, tentando que o seu semblante não transparecesse expressão alguma até que tivesse fechado a porta atrás dele.

Enquanto descia os quatro lances de degraus, pôs-se a rir.