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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Sarah M. Anderson. Todos os direitos reservados.

PERSEGUINDO OS SONHOS, N.º 1139 - julho 2013

Título original: A Man of Privilege

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

Publicado em português em 2013

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® ™. Harlequin, logotipo Harlequin e Desejo são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-3334-0

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo Um

 

– Senhor Carlson, o agente Yellow Bird chegou com a menina Touchette.

– Obrigado – respondeu James à sua assistente Agnes pelo intercomunicador, ainda que fosse um sistema de comunicação que odiava porque lhe recordava o seu autoritário pai.

Nem ele nem a sua mãe se tinham dignado nunca a visitá-lo no seu modesto escritório de Dakota do Sul. A sua mãe teria tido um ataque de nervos, já que a sua única obsessão era que percorresse quanto antes o caminho que distava entre a mansão familiar de Washington e a Casa Branca.

O apelido Carlson representava uma dinastia equiparável à dos Kennedy ou dos Bush, e os seus pais tinham criado James para que se candidatasse à presidência. Por isso se tinham enfurecido quando, em vez de aproveitar os contactos familiares, tinha escolhido o seu próprio caminho, bem mais sinuoso e complicado do que aquele que eles lhe poderiam ter proporcionado.

James olhou para a fotografia de Touchette que tinha sobre a mesa. Aparecia enegrecida e com aspeto desafiante, com os dentes escuros próprios dos dependentes de metanfetamina. O seu cadastro criminoso incluía detenções por posse e venda de droga, prostituição e roubo. As últimas detenções tinham tido lugar dez anos antes, ao mesmo tempo que James acabava o curso de advogado em Georgetown como número um do seu ano. Tinham-lhe chovido ofertas milionárias, mas recusara-as, ao contrário do que o seu pai tinha esperado que fizesse. James não precisava de dinheiro porque o seu avô tinha-lhe legado tudo o que precisava. De modo que aceitara um lugar de principiante no Ministério da Justiça e tinha ascendido degrau a degrau. Era um dos melhores advogados do país porque trabalhava arduamente e cumpria as normas, e não porque a sua mãe fosse rica e o seu pai poderoso.

Nem toda a gente cumpria as normas, como demonstrava o cadastro de Touchette. Nos últimos nove anos não se registaram detenções, pelo que se deduzia que, ou tinha mudado de estado ou tinha aprendido a esquivar a polícia. Qualquer dessas possibilidades explicava que Yellow Bird tivesse demorado meses a dar com ela.

James precisava dela para cumprir a sua missão de limpar a magistratura. Se estivesse sozinha, James teria feito Touchette esperar porque sabia que era mais fácil manipular as pessoas quando estavam nervosas. Mas o agente do FBI, Yellow Bird, não era um criminoso.

Pôs o casaco, levantou-se e chamou pelo intercomunicador. Inclusive os criminosos mereciam um mínimo de cortesia:

– Mande entrar a menina Touchette.

Yellow Bird entrou e indicou o caminho à mulher que o seguia. Quando James a viu, pestanejou com força para se assegurar de que não lhe falhava a vista.

A mulher que estava diante de si não tinha nada a ver com o que esperava. O cabelo, preto e ondulado, chegava-lhe aos ombros; a franja quase lhe cobria o olho esquerdo; a pele era de um delicado tom de azeitona. Vestia uma saia castanha até aos tornozelos e um top rosa de alças. Segurava com força uma mala de couro que levava ao ombro, e o seu olhar era claro e inteligente.

James pensou que ficaria bem no estrado... e surpreendeu-se ao pensar que também na sua cama. Há muito tempo que não pensava nesses termos e era completamente inapropriado além de imoral, tratando-se de uma potencial testemunha. E ainda que não o fosse, James não costumava andar com antigas prostitutas por muito bonitas que fossem.

– Sou o Procurador especial James Carlson. Obrigado por vir, menina Touchette.

– Não sou Touchette – disse ela com firmeza. – Chamo-me Eagle Heart.

James olhou para Yellow Bird, mas este apoiava-se com indiferença num arquivador.

– Mostra-lho – disse este com voz grave. Ao ver que a mulher não se movia, insistiu. – Maggie, mostra-lho.

Ela inspirou e dirigiu o olhar à fotografia que James tinha sobre a secretária.

– Agora chamo-me Maggie Eagle Heart – disse, retirando a franja e mostrando uma cicatriz na testa que lhe chegava à sobrancelha.

James viu que coincidia com a da foto.

– E... – disse Yellow Bird.

Ela virou-se e baixou a alça do top ao mesmo tempo que retirava o cabelo para a frente e mostrava uma tatuagem que cobria o seu ombro direito. Representava umas chamas, entre as quais se viam as iniciais LLD.

Margaret Touchette e Maggie Eagle Heart eram a mesma pessoa, ainda que duas mulheres muito distintas.

James tossiu ao sentir que a visão daquele pedaço de pele lhe provocava uma pressão na zona genital e, sentando-se, folheou o cadastro até encontrar a tatuagem numa foto.

Não compreendia o que se passava consigo. Jamais deixava que uma testemunha o distraísse.

– Obrigado, agente Yellow Bird, a partir daqui trato eu do caso – disse.

– Quero que o Yellow Bird fique – disse ela.

– Asseguro-lhe que se trata de uma entrevista puramente profissional – disse James. – Qualquer coisa que falarmos será confidencial.

Ela arqueou uma sobrancelha com ceticismo.

– Permita-me que duvide. Pode ficar ou não? – perguntou, provocadora.

James estava desconcertado. Quem costumava recorrer a ele, normalmente tinha algo que ocultar e agia com nervosismo. Aquela mulher... James olhou para Yellow Bird, que assentiu.

– Bem, comecemos então – James indicou-lhe o lugar vago à frente da secretária ao mesmo tempo que punha o gravador em funcionamento. – Faça favor, diga o seu nome, a alcunha, se tiver, e a ocupação.

Após uma ligeira hesitação, ela sentou-se dando uma primeira mostra de desconforto ao enredar e desenredar a alça da mala no dedo.

– Chamo-me Maggie Eagle Heart. Antes chamava-me Margaret Marie Touchette. Vendo joias e vestidos artesanais Indo Americanos pela Internet.

– Quando se casou? – perguntou James ao mesmo tempo que tomava nota.

– Não sou casada.

James alçou a cabeça, surpreendido... e satisfeito por saber que estava disponível. Ela não tinha mantido contacto visual com ele em nenhum momento. James, que jamais se tinha sentido nervoso, teve de engolir em seco.

– De onde conhece o agente Yellow Bird?

Depois de uma longa pausa, ela disse:

– Há muito tempo, um menino que se chamava Tommy tentou salvar uma menina que se chamava Maggie, mas nem ele nem ninguém o conseguiu.

– Namora com alguém neste momento?

Yellow Bird saiu da sua imobilidade e Maggie olhou pela primeira vez para James nos olhos. Este sentiu que lhe suava a nuca enquanto a inapropriada pergunta parecia ter ficado suspensa no ar.

– Não. Pode-se saber a que está a brincar? – perguntou ela.

James soube que devia reconduzir o interrogatório se queria manter o controlo.

– Quando adotou o seu nome presente?

Ela voltou a desviar a olhar.

– Há nove anos.

– Quanto tempo após a sua última detenção?

A mulher baixou o olhar, mas manteve a cabeça erguida.

– Devo chamar um advogado?

– Não, embora lhe possa recomendar uma das melhores do estado – James abriu uma gaveta e procurou até encontrar um cartão de Rosebud Armstrong que deslizou sobre a secretária. – O agente Yellow Bird pode dar-lhe referências.

Também ele a conhecia em pessoa. Mas muito poucas pessoas sabiam que o filho de um antigo ministro de Defesa tinha tido um affaire com uma índia lakota na universidade. Tratava-se de uma informação que podia destroçar a sua carreira, e James não estivera disposto a deixar que uma atração passageira arruinasse o seu futuro. Isso era algo que devia recordar de cada vez que olhasse para a menina Eagle Heart.

Ela leu o cartão e segurou-o enquanto lhe acariciava o contorno. James observou que tinha uns dedos longos, com unhas curtas, por pintar. Mostravam algumas durezas que indicavam que não era uma mulher privilegiada. Ao contrário de Pauline Walker, a mulher que a sua mãe tinha escolhido para ele como esposa. Não. Eagle Heart tinha as mãos de uma mulher que sabia como usá-las.

James remexeu-se no lugar. Tinha de manter a concentração.

– Menina Eagle Heart, chamei-a porque acho que tem conhecimento pessoal de um crime, e gostaria que me proporcionasse a sua versão dos factos.

– Eu não sei nada de nenhum crime – disse ela, empalidecendo. – Nunca estive na prisão.

– Apesar de ter sido detida em dezassete ocasiões. Já o constatei. Como tenho observado que sempre lhe calhou o mesmo juiz: Royce T. Maynard.

O pulso de James acelerou-se assim que mencionou um dos juízes mais corruptos do sistema judicial. Poder constituí-lo como arguido permitir-lhe-ia obter uma medalha que lhe abriria o caminho para a sua carreira política. Primeiro candidatar-se-ia a Procurador geral, depois a governador e, se tudo corresse bem, atingiria posições ainda mais elevadas dentro da administração... talvez até a sala oval.

Quando era pequeno, julgava que ser advogado era bem mais admirável do que ser político. Mas com os anos tinha descoberto que só dentro da política se podia mudar o mundo. Estava convencido de que podia guiar o país tal como conduzia os seus casos: com eficácia, honradez e com o sentido de justiça acima de tudo. Mas para isso, tinha de poder mostrar um historial irrepreensível, sem escândalos nem relações com mulheres de reputação questionável... como Maggie Eagle Heart.

Ele tinha prioridades. Para demonstrar que Maynard era culpado, James precisava do depoimento de testemunhas tão questionáveis como Maggie Eagle Heart. Ainda que a mulher que tinha perante si, mais do que questionável, fosse segura e alerta; exatamente o tipo de mulher que ele queria conhecer melhor.

– Quem? – perguntou ela, fingindo que não tinha ouvido o nome anteriormente.

– Pergunto-me por que razão uma mulher que foi detida dezassete vezes foi posta em liberdade em todos os casos. Uma ou duas vezes, poderia ser. Mas dezassete?

– Não sei do que está a falar – disse ela. E pela primeira vez tremeu-lhe a voz.

– Eu cá acho que sabe. Acho que sabe por que está hoje aqui e o que quero de si.

Soube que não devia ter acrescentado o último comentário quando ela o olhou fixamente, dando a entender que compreendia perfeitamente o que queria dela dentro e fora do tribunal. No entanto, não disse nada, limitando-se a olhá-lo com expressão de desafio.

Yellow Bird mexeu-se e quebrou a tensão que se tinha criado.

– O ministério da justiça acha que Royce T. Maynard tem abusado regularmente da sua posição de poder, aceitando subornos e... pressionando os arguidos para conseguir favores em troca de sentenciar a seu favor.

– Está a acusar-me de um crime? – perguntou ela, empalidecendo de novo.

– Não diretamente. Mas achamos que lhe pediu certos favores em troca de deixá-la em liberdade – disse James, deslizando a declaração de um agente judicial de Maynard que descrevia como este costumava encontrar-se no seu escritório com as arguidas a sós, na ausência dos agentes que as custodiavam.

Maggie permaneceu imóvel e James sentiu-se abjeto. Qualquer que fosse a atividade a que aquela mulher se tinha dedicado na última década, era evidente que tinha escolhido uma vida muito diferente da mulher da fotografia. Mas a incomodidade durou-lhe pouco. Ninguém chegava a Procurador especial tão jovem preocupando-se com os sentimentos das testemunhas.

– Esta é a declaração de um antigo advogado – acrescentou, indicando outro documento em que um advogado corrupto declarava ter incentivado as suas clientes acusadas de prostituição, incluída Margaret Touchette, a irem ao escritório de Maynard, onde assumia que mantinham relações sexuais em troca de um veredicto de inocência. – Suponho que recordará este nome.

Eagle Heart pegou no papel com mãos trémulas, leu o nome e suspirou ao mesmo tempo que o deixava de novo sobre a mesa.

James não podia reconhecer nenhum rasgo nela que a pudesse identificar como toxicodependente ou prostituta. Maggie Eagle Heart era uma bela mulher segura de si mesma que despertava a sua admiração. Era uma pena que não pudesse passar mais tempo com ela e descobrir porque a encontrava tão atraente.

– Por que motivo estou aqui? – perguntou ela, sem rasto do nervosismo que tinha mostrado uns minutos antes. Os seus olhos brilhavam desafiantes. – Se tem a declaração oficial de duas pessoas, não precisa da minha.

– Nisso está enganada. O que tenho são as declarações de segunda mão de duas pessoas que não estavam presentes quando se cometeram os hipotéticos crimes. Porque disso é do que se trata, menina Eagle Heart, de crimes. É ilegal que um representante da lei exija favores sexuais aos detidos. Eu pretendo eliminar criminosos do sistema judicial para que pessoas como Margaret Touchette recebam um tratamento justo e a ajuda legal de que carecem. E para isso, preciso do depoimento de uma testemunha presencial. Preciso que descreva o que lhe pediu o juiz Maynard em troca de a livrar da prisão em dezassete ocasiões consecutivas.

– Não.

James dedicou-lhe um sorriso estudado que sabia que combinava em partes iguais a amabilidade e a ameaça; um sorriso que lhe costumava dar excelentes resultados nos julgamentos.

– Menina Eagle Heart, neste momento não é acusada de nenhum crime, mas isso poderia mudar a qualquer momento.

Ela dedicou-lhe um olhar de aço.

– Se não me engano, você acaba de me solicitar um favor em troca da minha liberdade. Que deliciosamente hipócrita! Há muito tempo que sei que isso é o único que posso esperar da lei.

Pôs-se de pé. James sabia que devia cortar o seu discurso e manter o controlo da conversa, mas sentia curiosidade pelo que fosse acrescentar. Insultá-lo-ia? Ou esbofeteá-lo-ia?

– Os delitos que Margaret Touchette pudesse ter cometido já prescreveram. Você não me pode acusar nem prender-me. Da próxima vez que quiser falar comigo, não me envie o seu rafeiro – disse, indicando Yellow Bird. – E agora, quero ir para casa – e com gesto digno, saiu.

James sabia que esta a fazer bluff e deixou escapar um assobio de admiração que fez com que Yellow Bird voltasse a cabeça, surpreendido, antes de sair do escritório atrás dela.

James abanou a cabeça. Ainda que as coisas não tivessem corrido como tinha planeado, aquela mulher impressionara-o. Qualquer outra na sua posição, teria colapsado. Ele tinha visto advogados profissionais irem-se abaixo ao serem pressionados. Em troca ela, que tinha um passado quanto menos duvidoso, não consentia que ninguém a julgasse por isso, nem se deixava intimidar. Era impossível não a admirar. Avaliou as opções que lhe restavam. Precisava do seu depoimento para assegurar o caso. Mas se voltasse a pedir a Yellow Bird que a levasse ao seu escritório, não conseguiria nada dela. O que lhe deixava somente uma opção.

Agnes entrou no escritório com a agenda.

– Quer que marque uma outra reunião com a senhora?

– Consiga-me a morada dela.

Desde que tivesse razões legítimas para a ver, o seu comportamento seria ético. Convencê-la para que testemunhasse era a única maneira de continuar com o caso. Desde que recordasse que era isso que queria dela, tudo correria bem. Precisava dela como testemunha, o que significava que tinha de a ver de novo.

Isso era tudo.