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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2013 Carol Marinelli

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Lua de mel em Marbella, n.º 1560 - Setembro 2014

Título original: The Playboy of Puerto Banús

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5392-8

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Capítulo 1

 

– Estelle, prometo. Só terás de dar a mão a Gordon e dançar, mais nada.

– E? – pressionou Estelle.

Dobrou o canto superior da página do livro que estava a ler e fechou-o, sem acreditar que estava a considerar a possibilidade de aceitar o plano de Ginny.

– No máximo, um beijo no rosto ou nos lábios. A única coisa que terás de fazer é fingir que estás loucamente apaixonada por ele.

– Por um homem de sessenta anos?

– Sim – Ginny suspirou, mas antes que Estelle pudesse protestar, continuou: – Todos vão pensar que és uma caçadora de fortunas e que estás com Gordon pelo dinheiro. Algo que será... – Ginny deixou de falar, interrompida por um ataque de tosse.

Ginny e Estelle eram companheiras de apartamento, duas jovens que estavam a tentar completar os estudos universitários. Estelle, com vinte e cinco anos, era uns anos mais velha que Ginny. Há algum tempo, interrogara-se como era possível que Ginny pudesse ter carro e vestir tão bem. Por fim, tinha averiguado. Ginny trabalhava numa agência de acompanhantes e tinha um cliente fixo, Gordon Edwards, um político que ocultava um segredo que era, precisamente, a razão pela qual não esperaria nada de Estelle, se ocupasse o seu lugar como acompanhante, no casamento que se ia celebrar nessa tarde.

– Terei de partilhar o quarto com ele.

Estelle nunca tinha partilhado um quarto com um homem. Não era uma mulher tímida, nem retraída, mas não tinha o interesse de Ginny pela vida social. Ginny pensava que os fins de semana estavam destinados às festas, mas a ideia que Estelle tinha de um fim de semana perfeito consistia em visitar edifícios antigos e aninhar-se com um livro, no sofá.

– Gordon dorme sempre no sofá, quando partilhamos o quarto.

– Não.

Estelle ajustou os óculos e voltou a abrir o livro. Tentava concentrar-se naquele livro sobre o mausoléu do primeiro imperador Qin, mas estava a ser muito difícil. Estava preocupada com o irmão, que ainda não tinha ligado para lhe dizer se tinha conseguido arranjar trabalho. Não podia negar que o dinheiro que Ginny lhe oferecia seria de grande ajuda.

Mas estava em Londres e o casamento seria celebrado naquela mesma tarde, num castelo da Escócia. Se pensava ir, de verdade, deveria começar a preparar-se, porque teriam de voar para Edimburgo e, dali, entrar num helicóptero que as levaria ao castelo.

– Por favor – suplicou Ginny. – Na agência, estão aterrorizados porque não encontram nenhuma substituta em tão pouco tempo. E Gordon vem buscar-me dentro de uma hora...

– E o que pensarão as pessoas? – perguntou Estelle – Se estão acostumados a vê-lo contigo...

– Gordon vai ocupar-se disso. Dirá que nos separámos. Em qualquer caso, teríamos de terminar a relação, pois estou quase a acabar a universidade. Sinceramente, Estelle, Gordon é um homem adorável. Sofre constantemente a pressão de fingir que é heterossexual e não irá sozinho ao casamento. E pensa no dinheiro!

Estelle não podia deixar de pensar no dinheiro. Se fosse ao casamento, poderia pagar um mês da hipoteca do irmão. Sabia que não resolveria o problema, mas daria a Andrew e à sua família um pouco mais de tempo e, tendo em conta tudo aquilo que tinham tido de suportar durante o ano anterior e o que ainda estava por chegar, saber-lhes-ia muito bem aquela prorrogação.

Andrew fizera muito por ela. Quando os pais tinham morrido, Estelle tinha dezassete anos e ele deixara de lado a sua própria vida, para garantir que a irmã desfrutasse de uma existência o mais normal possível. Já estava na hora de fazer algo por ele.

– Muito bem – Estelle respirou fundo. Tomara uma decisão. – Telefona-lhes e diz-lhes que irei.

– Já lhes disse que tinhas aceitado – admitiu Ginny. – Estelle, não olhes assim para mim. Sei que necessitas muito de dinheiro e, simplesmente, não suportava dizer a Gordon que não tinha conseguido ninguém.

Ginny olhou atentamente para Estelle. Apanhara o longo cabelo preto num rabo de cavalo, a cútis clara não tinha uma única mancha e não havia restos de maquilhagem nos seus olhos verdes, porque raramente se maquilhava. Estava a tentar dissimulá-lo mas, na realidade, estava preocupada com o aspeto de Estelle e com a sua capacidade para levar em frente aquela atuação.

– Tens de te arranjar. Vou ajudar-te com o cabelo e com tudo o resto.

– Com essa tosse, nem penses em aproximar-te de mim. Resolverei isso sozinha – viu a expressão de dúvida da amiga e acrescentou: – Todas nos podemos vestir como prostitutas, se for necessário – e sorriu. – Na verdade, penso que não tenho nada para vestir. Achas que alguém vai perceber, se usar algo teu?

– Comprei um vestido novo para o casamento.

Ginny dirigiu-se ao armário que tinha no quarto e Estelle seguiu-a. Quando viu o vestido dourado que segurava entre as mãos, ficou boquiaberta.

– É isso que vou usar debaixo do vestido?

– É espampanante.

– Quando tu o usas, talvez – respondeu Estelle. Ginny era muito mais magra e tinha pouco peito. Ela, embora fosse magra, era uma mulher com curvas. – Vou parecer uma...

– E é precisamente essa a questão. Sinceramente, Estelle, se relaxares, até poderás divertir-te.

– Duvido – respondeu Estelle.

Sentou-se no toucador de Ginny e começou a pôr rolos quentes no cabelo e a maquilhar-se, sob o olhar vigilante da amiga. Gordon tinha de parecer um mulherengo e ela tinha de fingir que o adorava, apesar de ser muito mais jovem do que ele.

– Tens de te maquilhar mais.

– Mais? – Estelle tinha a sensação de ter aplicado mais de três centímetros de maquilhagem.

– E pôr rímel nas pestanas.

Observou Estelle, enquanto ela tirava os rolos e o cabelo escuro caía numa cascata de caracóis.

– E também uma boa camada de laca. Ah, é verdade! Gordon chama-me Virginia. Terás de te lembrar disso, se por acaso alguém falar em mim.

Ginny pestanejou várias vezes, quando Estelle se virou. A sombra era cinzenta e as camadas de rímel realçavam o verde esmeralda dos seus olhos. O lápis evidenciava os lábios carnudos. Ao ver os caracóis pretos a emoldurar o belo rosto da amiga, começou a acreditar que poderia levar a bom porto o seu plano.

– Estás incrível! Agora, vamos ver como te fica o vestido.

– Não vou vestir-me lá?

– Gordon tem um horário muito apertado. Suponho que, assim que aterrarem, irão diretamente para o casamento.

O vestido dourado era lindo, transparente e coleante, marcando todas as suas curvas. Era excessivamente revelador, mas maravilhoso.

– Penso que Gordon poderia trocar-me por ti – disse Ginny, com admiração.

– Esta será a primeira e a última vez.

– Isso foi o que eu disse, quando comecei a trabalhar na agência. Mas, se as coisas correrem bem...

– Nem sonhes! – respondeu Estelle, no preciso momento em que um carro buzinava lá fora.

– Vai correr tudo bem – assegurou Ginny, ao ver que Estelle se sobressaltava. – Tenho a certeza de que vais fazer tudo na perfeição.

Estelle agarrou-se àquelas palavras, enquanto abandonava o seu apartamento de estudante. Cambaleando, devido aos sapatos de salto alto, saiu para a rua e dirigiu-se para o carro que a esperava, assustada perante a perspetiva de ir conhecer aquele político.

– Tenho um incrível bom gosto!

Gordon recebeu-a com um sorriso, enquanto o motorista lhe abria a porta. O político era um homem rechonchudo, usava o traje de gala escocês e fez sorrir Estelle mesmo antes de se sentar no carro.

– E tens umas pernas muito mais bonitas do que as minhas. Sinto-me ridículo com esta saia escocesa.

Estelle relaxou imediatamente. Enquanto o carro se dirigia para o aeroporto, Gordon explicou-lhe rapidamente o que devia saber sobre a sua relação.

– Conhecemo-nos há duas semanas...

– Onde? – perguntou Estelle.

– No Dario’s...

– Que Dario? – interrompeu Estelle, sem o deixar acabar de falar.

Gordon desatou a rir.

– Realmente, não estás a par de nada, pois não? É um bar no Soho... É frequentado por homens ricos, que procuram a companhia de mulheres mais jovens.

– Meu Deus...! – gemeu Estelle.

– Trabalhas?

– Na biblioteca, a tempo parcial.

– Talvez seja melhor não o mencionares. Limita-te a dizer que trabalhas, ocasionalmente, como modelo. Ou, melhor ainda. Diz que, neste momento, dedicas todo o teu tempo a fazer-me feliz – Estelle corou e Gordon reparou. – Sei que é terrível.

– Tenho medo de não ser capaz de representar bem o meu papel.

– Vais fazer tudo na perfeição – tranquilizou-a Gordon. E continuou a rever toda a informação com ela.

Durante o voo para Edimburgo, relembraram a história vez após vez. Gordon perguntou-lhe, inclusive, pelo irmão e pela sobrinha, e Estelle surpreendeu-se que estivesse a par das dificuldades que atravessavam.

– Virginia e eu tornámo-nos bons amigos ao longo deste ano – explicou Gordon. – Estava muito preocupada contigo, quando o teu irmão sofreu o acidente e quando soube que a tua sobrinha tinha nascido com uma doença. Como está ela agora?

– À espera de uma cirurgia.

– Tenta pensar que estás a ajudá-los – recomendou Gordon, enquanto se dirigiam para o helicóptero.

Minutos depois, enquanto atravessavam o pátio do castelo, Gordon deu-lhe a mão e Estelle agradeceu que o fizesse. Era um homem encantador e, se se tivessem conhecido noutras circunstâncias, quereria desfrutar daquela noite.

– Estou desejosa de ver o interior do castelo – admitiu Estelle.

Já tinha contado a Gordon que se interessava muito por arquitetura antiga.

– Não me parece que tenhamos tempo de o explorar – respondeu Gordon. – Vão indicar-nos o nosso quarto e só terás tempo de te refrescares um pouco, antes de descermos para assistir ao casamento. E lembra-te de que – acrescentou, – dentro de vinte e quatro horas tudo terá acabado e não terás de voltar a ver nenhum dos convidados em toda a tua vida.

Capítulo 2

 

Nem o som distante das gaivotas, nem a música, tiraram Raúl do seu sonho. Pelo contrário, foram precisamente esses sons que o tranquilizaram, quando acordou sobressaltado. Permaneceu deitado, com o coração acelerado durante alguns segundos, dizendo a si mesmo que fora apenas um pesadelo. Contudo, na realidade, sabia que fora uma lembrança que o tinha despertado tão bruscamente.

O suave balançar do iate convidava-o a voltar a dormir mas, de repente, recordou-se que era suposto encontrar-se com o pai. Obrigou-se a abrir os olhos e fixou o olhar no cabelo loiro que cobria a sua almofada.

– Bom dia – ronronou a proprietária daquela juba.

– Bom dia – respondeu Raúl. Mas em vez de se aproximar dela, virou-lhe as costas.

– A que horas temos de sair, para ir ao casamento?

Raúl fechou os olhos, perante aquela presunção. Jamais tinha pedido a Kelly que fosse com ele ao casamento, mas esse era o problema de sair com a sua assistente pessoal. Kelly conhecia a sua agenda. O casamento seria celebrado naquela mesma tarde, nas Terras Altas da Escócia, e era evidente que Kelly pensava que estava convidada.

– Falaremos disso mais tarde – respondeu Raúl, olhando para o relógio. – Agora, tenho de me reunir com o meu pai.

– Raúl... – Kelly virou-se para ele, com um movimento que pretendia ser sedutor.

– Falaremos depois – repetiu Raúl. E levantou-se da cama. – Tenho de estar no escritório dentro de dez minutos.

– Isso não te teria detido, antes.

Raúl subiu as escadas para ir para a coberta, abrindo caminho e evitando os vestígios de outra das festas selvagens de Raúl Sánchez de la Fuente. Pôs os óculos de sol e caminhou ao longo da marina de Puerto Banús, onde tinha atracado o iate. Aquele era o lugar onde Raúl pertencia. Encaixava naquele ambiente porque, apesar da sua vida de excessos, nunca era o mais selvagem. Ouviu o barulho de uma festa, o som da música e as gargalhadas, e aquilo recordou-lhe os motivos que o levavam a adorar aquele lugar. Raramente havia silêncio. O porto estava cheio de iates luxuosos e cheirava a dinheiro. Ali, podia encontrar-se todos os frutos das grandes fortunas e Raúl, com a barba por fazer, desalinhado e terrivelmente atraente, fundia-se na perfeição com aquela paisagem.

Enrique, o seu motorista, esperava-o no porto. Raúl entrou no carro, cumprimentou-o e permaneceu em silêncio enquanto percorriam a curta distância que os separava da filial de Marbella da De la Fuente Holdings. Não tinha a menor dúvida sobre o assunto de que o pai lhe queria falar, mas a sua mente voltou ao que Kelly acabava de lhe dizer: «Isso não te teria detido, antes». «Antes de quê?», interrogou-se Raúl. Antes de ter perdido o interesse? Antes de Kelly ter dado por garantido que a noite de sábado tinha de ser uma noite partilhada?

Raúl era uma ilha. Uma ilha com visitas frequentes e festas famosas no mundo inteiro, uma ilha de luxos infinitos, que só se permitia ter relações superficiais. Tinha decidido não permitir que nenhuma pessoa se aproximasse muito dele. Não queria voltar a sentir-se responsável pelo coração de ninguém.

– Não demorarei muito – disse a Enrique, quando o carro parou.

Não lhe apetecia ter aquele encontro, mas o pai tinha insistido, queria que se vissem naquela manhã, e queria acabar com aquilo o quanto antes.

– Bom dia – cumprimentou, dirigindo-se a Ángela, a assistente pessoal do pai. – O que estás a fazer aqui, num sábado de manhã?

Normalmente, Ángela ia-se embora todos os fins de semana, para ir ter com a família que vivia no norte.

– Estou a tentar localizar um certo indivíduo, que disse que estaria aqui às oito – Ángela franziu o sobrolho.

Ángela era a única mulher que podia falar abertamente com Raúl. Perto dos sessenta anos de idade, trabalhava na empresa desde que Raúl se podia recordar.

– Estive a ligar para ti. Nunca tens o telemóvel ligado?

– Fiquei sem bateria.

– Bom, antes de falares com o teu pai, tenho de te recordar a tua agenda.

– Deixa isso para mais tarde.

– Não, Raúl. Eu já estou a ir para casa mais tarde do que o habitual, portanto, isto terá de ser resolvido agora. Também temos de encontrar outra assistente pessoal para ti e, de preferência, uma que não goste muito de ti – Ángela não se deixou impressionar pela forma como Raúl arregalou os olhos. – Raúl, tens de te recordar que, dentro de semanas, irei desfrutar de umas longas férias. Se tenho de preparar alguém, preciso de começar o quanto antes.

– Então, escolhe alguém – respondeu Raúl. – E tens razão. É preferível que seja alguém de quem eu não goste.

– Finalmente! – exclamou Ángela, soltando um suspiro.

Sim, finalmente, Raúl tinha aceitado que misturar negócios com prazer tinha consequências e que dormir com a sua assistente pessoal não era uma boa ideia. «Que raio acontece com as mulheres?», questionou-se. Porque é que assim que conseguiam meter-se na sua cama, decidiam que já não podiam continuar a trabalhar para ele? Ao fim de várias semanas, exigiam exclusividade, compromisso, algo que Raúl, simplesmente, negava.

– Já marquei todos os teus voos para esta tarde – informou Ángela. – Não posso acreditar que vais usar uma saia escocesa.

– Fico muito bonito com uma saia escocesa – Raúl sorriu. – Donald pediu a todos os convidados que a usassem e já sabes que sou um escocês honorário.

Era verdade. Tinha estudado na Escócia durante quatro anos, possivelmente, os melhores anos da sua vida, e conservava as amizades que fizera na altura. Exceto uma.

Endureceu a expressão ao pensar na ex-noiva, que estaria no casamento, naquela tarde. Talvez devesse levar Kelly, ou chegar sozinho e enrolar-se com uma das suas antigas amantes, só fora para irritar Araminta.

– Bom, acabemos com isto o quanto antes.

Começou a caminhar para o escritório do pai, mas Ángela chamou-o.

– Deverias tomar um café, antes de o veres.

– Não é necessário. Assim que acabar, irei tomar o pequeno-almoço ao Café del Sol.

Adorava tomar o pequeno-almoço no Café del Sol, situado junto ao mar. Lá, se alguém não era suficientemente atraente, depressa era rejeitado. A pessoas como ele, nem sequer se incomodavam em apresentar a conta. Queriam esse tipo de clientes, queriam a energia que levavam para um lugar como aquele. Mas Ángela insistiu.

– Vai refrescar-te, que eu levarei um café e uma camisa limpa para vestires.

Sim, Ángela era a única mulher que podia falar-lhe daquela maneira.

Raúl entrou no enorme gabinete onde, para além da zona de escritório, havia um quarto elegante. Enquanto se dirigia para o banho, olhou para a cama e sentiu a tentação de se deitar. Só dormira duas ou três horas na noite anterior. Mas obrigou-se a ir para o banho e fez uma careta ao olhar-se ao espelho. E então, entendeu porque Ángela insistira para que se refrescasse antes de se reunir com o pai.

Tinha os olhos injetados de sangue e o rosto exibia uma barba de dois dias. O cabelo preto azeviche caía-lhe sobre a testa e tinha marcas de batom no pescoço.

Sim, tinha o aspeto do playboy depravado que o pai o acusava de ser.

Raúl tirou o casaco e a camisa, lavou a cara, começou a barbear-se e agradeceu a Ángela quando lhe disse que deixara um café na sua secretária.

– Obrigado! – repetiu. E saiu do banho.

Possivelmente, Ángela era a única mulher que não corava ao vê-lo sem camisa. Ao fim e ao cabo, vira-o com fraldas.

– E obrigado também por me obrigares a tomar banho antes de ir ver o meu pai.

– De nada – e sorriu. – Deixei uma camisa limpa nas costas da cadeira do teu gabinete.

– Sabes porque quer ver-me? Vou receber outro sermão, sobre a obrigação de ter a cabeça no lugar?

– Não tenho a certeza – Ángela corou. – Raúl, por favor, ouve o teu pai. Este não é o momento para discussões. O teu pai está doente e...

– O facto de estar doente não implica que tenha razão.

– Não. Mas preocupa-se contigo Raúl, embora não lhe seja fácil demonstrá-lo. Por favor, ouve-o... Preocupa-se que fiques sozinho para enfrentares determinadas coisas – fez uma pausa, ao ver que Raúl franzia o sobrolho.

– Penso que sabes perfeitamente do que estou a falar.

– Raúl, só estou a pedir que o ouças. Não suporto ouvir-vos a discutir.

– Deixa de te preocupar – pediu Raúl, com carinho. Gostava de Ángela, pois era o mais parecido que tinha com uma mãe. – Não tenho intenção de discutir com ele. Simplesmente, penso que aos trinta anos ninguém tem de me dizer a que horas tenho de me deitar e muito menos com quem.

Raúl voltou a entrar na casa de banho, para continuar a barbear-se. Não tinha intenção de permitir que lhe ordenassem o que tinha de fazer. Mas, de repente, deteve-se. Seria assim tão grave, deixar que o pai pensasse que tinha intenções sérias com alguém? Que mal teria, fingir que estava prestes a assentar? Ao fim e ao cabo, o pai estava a morrer.

 

 

Barbeado e com a mente mais limpa, passou diante de Ángela, disposto a falar com o pai.

– Deseja-me sorte – pediu. Mas ao ver a tensão nas feições de Ángela, tranquilizou-a. – Olha... – sabia que Ángela jamais ocultava algo ao pai. – Estou a sair com alguém, mas não quero que o meu pai me pressione.

– Com quem? – perguntou Ángela, com os olhos muito abertos.

– É uma ex-namorada. Vemo-nos de vez em quando. Vive em Inglaterra e vou vê-la no casamento.

– Araminta!

– Vamos parar por aqui.

Raúl sorriu. Era tudo o que necessitava. Sabia que tinha lançado a semente.

Bateu à porta do escritório do pai e entrou.

«Deve ter havido fogo», pensou. Cheirava a enxofre. Definitivamente, deveria ter percebido o cheiro a gasolina e o som de um trovão, seguido de um longo silêncio. Algo o deveria ter advertido de que estava a regressar ao inferno.